podes caber à larga e não à justa no elevador de santa justa,
não te leva a parte nenhuma no sentido utilitário normal,
mas é a nossa torre eiffel. faz a experiência. por sinal
é um caso em que não custa aprender à nossa custa:
variamente na vida e na ascese se flibusta,
e aprender à nossa custa é muito mais ascencional.
podes subir até ao miradouro se a altura não te assusta:
lisboa é cor de rosa e branco, o céu azul ferrete é tridimensional,
podes subir sozinho, há muito espaço experimental.
noutros elevadores há sempre alguém que barafusta,
mas não aqui: não fica muito longe a rua augusta,
e em lisboa é o único a subir na vertical.
***
vasco graça moura
*
esta manhã na foz, onde eu nasci, o mar da cor do chumbo
rugia contra o molhe, acometia o gilreu exasperado
e era um bulcão de espuma pardacenta a tresmalhar-se nos rochedos.
ouviam-se os pios das gaivotas assustadas, os pios,
os pios no seu voo desconjuntado no sibilar do vento, rasgão de asas
sobre a praia, praia triste como as de augusto gomes,
as das mulheres sobre a areia lisa de cinza, vestidas de negro
no seu trabalho de luto, na sua esperança sem alento,
mas ali não chegam aos baldões pescadores do mar alto, não,
ali, um par despede-se e é para sempre,
os olhos rasos de água e as mãos a desprenderem-se
num mundo pardacento onde morreu o desejo
e ninguém já quer nada de ninguém.
e tu, ó meu amor, não podias gostar disto, desta braveza assanhada,
desta pérgola que vem da minha infância,
onde agora não passa ninguém, desta orla das horas
sem socorros a náufragos, destas águas enfurecidas
onde só há lugar certo para os afogados.
***
vasco graça moura
(porto, 1942)
**********************
o amor não é uma saga cruel:
vejo-a cuidar das plantas no jardim,
brincam as filhas com lápis e papel
e eu escrevo sossegado, é bom assim.
na relva, um melro a saltitar, vilão
pretíssimo, esfuzia à cata de algum resto,
ou da mosca azarada: passa lesto
entre duas roseiras. já é verão.
mas o melro demanda outro quintal
e do poema, sem jeito e sem disfarce,
sai de bico amarelo em diagonal
desajeitada: esvoaça sem maneiras
como um pingo de tinta a escapar-se.
de verde prateada, as oliveiras.
***
Vasco Graça Moura
******************************
no que escrevi me traduzi
e traduzi outros também
e traduzindo me escrevi
e a escrever-me fui eu quem
das várias coisas que senti
fez sofrimento de ninguém.
depois risquei, depois reli
e publiquei: assim porém
havia sempre mais alguém
para o chamar então a si,
também vivendo o que menti,
mas como seu, mas como sem
ter sido meu o que escrevi
fosse por mal, fosse por bem.
é a sua vez. e que mal tem?
no que escrevi sobrevivi.
***
Vasco Graça Moura
**********************
agora o outono chega, nos seus plácidos
meneios pelas vinhas, um dos vizinhos passa
um cabaz de maçãs por sobre a vedação:
redondas, verdes, o seu perfume vai
dentro de quinze dias ser mais forte.
a noite cai mais cedo e apetece
guardar certos vermelhos da folhagem
e amarelos e castanhos nas ladeiras
de setembro. a rádio fala no tempo variável
que vem aí dentro de dias. talvez caia
uma chuvinha benfazeja, a pôr no ponto certo
os bagos de uva. e há poalhas morosas, mais douradas.
aproveita-se o outono no macio
enchimento dos frutos para colhê-lo a tempo.
devagar, devagar. é mais doce no outono a tua pele.
***
Vasco Graça Moura (1942)
Porto
indecente rimar, uma criança a esbugalhar os olhos de pavor. uma cidade a arder. a governança do mundo a esquivar-se: a sua dança rima obscenamente com timor. indecente rimar. lua assassina. uma rajada e outra. um estertor. um uivo, um corpo, um morto em cada esquina. honra do mundo que se contamina no arame farpado de timor. indecente rimar sândalo e vândalo. sacode a noite apenas o tambor das sombras acossadas. tens o escândalo que te invadiu a alma, mas comanda-lo? onde te leva o grito por timor? indecente rimar pois também rimam temor, tremor, terror e invasor por mais hipocrisias que se exprimam enquanto de hora a hora se dizimam os restos do que resta de timor. indecente rimar: mas nas florestas nunca rimaram tanta raiva e dor a às vezes são precisas rimas destas, bumerangue de sangue com arestas da própria carne viva de timor. *** Vasco Graça Moura (1942) Porto (Portugal)
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