Tu já estavas prometido à tristeza
da cidade mais pequena. Mas a noite
tinha passagens secretas, bastava seguir os sinais.
Uma sombra avançava muito fundo
nos teus estratos, tacteavas um território
de pedras difíceis, às vezes perigosas.
Depois imergias e a boca estava amarga
outra vez, a roupa amontoada na cadeira
como o princípio de um poema indesejado.
Reflectido nos teus olhos, o céu
era um lugar inabitável.
***
rui pires cabral
*
Não há que ter ilusões:
nós também somos
o fim da nossa estrada.
Com estas mãos,
com este mesmo coração
é que chegamos
ao cabo do futuro,
à extrema situação
de que partimos.
Mas, entretanto,
escrevamos.
***
rui pires cabral
*
Mas vejam que miséria quando o clube
perde em casa, quando chove no molhado
do recreio a tarde toda, quando o carteiro
faz greve e o outono se insinua -
vejam que miséria este défice de razões
para pôr em movimento a roda perra
do dia, esta pomba trucidada pela ambulância
que guina, enquanto o vizinho almoça e o poeta
transfigura - mas vejam que miséria
quando a arte não resgata e a orquestra
não anima e o amor torna mais árdua
a triste faina da vida.
***
rui pires cabral
macedo de cavaleiros, 1967
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Pergunto-me desde quando
deixou de haver futuro
nas janelas.
Janeiro dói nos olhos
como areia
e tu e eu estamos para sempre
sentados às escuras
no Verão.
***
Rui Pires Cabral
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Eu disse: quem pôs aqui este rio?
Alguém tinha desenhado na paisagem
um cenário para a nossa história.
Manchas inteiras de urze, papoilas,
giestas. Até se disse em Terena
que Abril não vinha assim tão verde
há muito tempo. Sim, tinha chovido muito
nesse ano, mas nada esteve por acaso,
nem o céu de manhã cedo nos castelos
com a erva a crescer dentro e fora das muralhas,
nem sequer a nossa primeira noite, aquela
em que esperaram por mim noutro lugar.
Sozinho, sem outra defesa que não fosse
a minha própria solidão, eu estive onde tu
me pudesses encontrar. E depois subimos juntos
a rua molhada. E já chovia por Abril sem o sabermos.
***
Rui Pires Cabral (1967)
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