Sábado, 19 de Janeiro de 2013
cor-de-burro-quando-foge

 

Qual a diferença

Entre cor de velho e cor de adolescente?

Escreveu-me a divindade certo dia

E eu, que nem fósforos colecionava,

Mas tinha ainda a tonalidade juvenil,

Recortei a divina rubrica

Destruindo assim o seu valor e o da missiva.

Era uma carta a Mário Cesariny.

 

Ali nos banhávamos, em letras de luz narcísica;

O ego resplandecente e muito maior que rã

De fábula.

Os girassóis debruçados das orelhas de Van Gogh

Estremeciam como lustres incendiados.

E agora vamos cor-de-burro-quando-foge

Cor-de-noite-quando-chega

Mal acompanhada,

Vamos indo cada vez mais para norte

Para as pradarias de neve

Pintar a merda da morte.

 

***

 

maria estela guedes

 

*


lido em: Geisers

publicado por carlossilva às 08:19
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Sexta-feira, 24 de Junho de 2011
dom são sebastião: os espinhos

 

Regressas... é a hora, agora.

De um ofício de corpo presente?

Por te amar in absentia

O peito me cobriram de sangue

Os sagitários romanos.

Sebastião, meu Sebastião!

 

Nas areias deste areal contas

Pelo rosário que te rezo

Com Deus à escutas nas ondas

Lendas de monstros meninos...

Cruel o nosso fado! A tua virgindade

Coroa o meu pénis com espinhos.

Porque eu sou o grande mar Atlântico

Desejo que por vagas nos conduz

Aos cimos do amor que te tenho...

Eu sou o que às Portas de Hércules se tetém

O nome saboreando à oliva e ao figo seco

Para te amar aqui, além de Além.

 

***

 

maria estela guedes

 

*


lido em: geisers

publicado por carlossilva às 15:39
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Terça-feira, 24 de Maio de 2011
mãe gaia

 

 

Sento-me na varanda

quando são de seda

as tardes de Verão.

A cadeira balouçante na brisa,

perdidos os olhos, a memória e os sentidos

no perfil azul-sombrio da Serra do Marão.

 

Contudo,

terra minha mais do que Maranus

e Britiande, em Lamego,

é Gaia, a biosfera,

lápis-lazúli de ânsia

em que vogam, gigantes,

as Victoria regia das estrelas.

 

E mais terra ainda do que essas

é a secura desta falta de sementes

amara duna

o nada florir a nascente

além da vinha e dos pomares

como reconhecida cultura.

 

Vai morrendo lentamente a esperança

e sei que somos nós o parasita

terra que à terra volveremos

sem o bombom de um novo ab initio.

 

Numa qualquer tarde sem ar limpo

nem límpida transfusão da luz

pela vidraça de fumo atmosfera

mergulharemos no nada como o precipício

em que se aterra sob o seu próprio peso

o céu outrora anil-olímpico

agora da saudade o xaile verde.

Do pó ao pó – eis a Terra.

 

***

 

maria estela guedes

 

*


lido em: risco da terra

publicado por carlossilva às 15:14
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Sábado, 15 de Maio de 2010
dom são sebastião: as rendas

Todo o meu apelo vai nas ondas
E pelas ondas vem a tua voz chamar-me
À praia do Tamariz
Se quebram leves rendas à roda do pescoço
Beijam-te o rosto de flor de lis.
É tão grande o desejo como o mar.
O Atlântico atrai para o deserto
Onde sem lápide hás de jazer reinando
Per saecula saeculorum
Sem Amen na prece a rematar.
Santo, eu, per saecula saeculorum
Ficarei rezando. Amo-te, Sebastião,
Ó flor imarcescível!
Meu cavaleiro da noite, meu lençol de esperma
Coalhado, em que estrelas choram por seres tão casto.
Olha que mais rebelde à morte, mais que tu, rei herói,
Sou eu, Sebastião, que não fui rei nem casto
Mas que sou soldado, gay e corajoso mártir.

 

***

 

maria estela guedes

 

(britiande - lamego, 1947)

 

*******************************


lido em: geisers

publicado por carlossilva às 11:10
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Sábado, 21 de Novembro de 2009
cala-te!

 

A vida, esse livro do ser
Lê-se em silêncio.
Mestre, oficia o rito
Que eu apenas respondo ao salmo,
E no resto
Nem respiro.

 

O silêncio é uma arma de três gumes
Que usamos diariamente
Para calar amarguras
Ou saltando como pumas:
Cala-te! Porque não te calas?

 

A vida, esse livro do ser
Lê-se em silêncio. 

 

E a outros, se falam, um punhal
Corta sem hesitar a garganta:
Ou silêncio ou morte!
Não o sabias? Então de que te espantas? 

 

Nada incomoda mais que as ciciantes
Preces, as dos que querem ser lidos
Como revistas de moda,
As dos que sabem tudo, tudo censuram,
A todos desautorizam, em altos gritos  de arara. 

 

Cala-te! Porque não te calas, charlatão? 

 

Silêncio, que estou a cantar o fado…
Muito barulho fazeis por coisa de nada
E nada em boa justiça se aplica
Aos que bem mereciam a cadeia. 

 

Nem é a autoridade dos que governam impérios
Com a pressão das armas e do dinheiro
A que mais nos ofende com censura
Sim o seu miniatural espelho
De quem nenhuma obra ousou,
Além de poluir o silêncio com mentira.
À luz da nossa vida pessoal, quem mais nos cala
É quem está mais próximo
Mas esse, porque proclama sem cadeira,
Feitos nem actos,
Por excessiva frioleira, mandemo-lo calar
Pois pouco existe, é só fala-barato. 

 

Abençoados os que se calam
A ouvir.
É preciso sabedoria para reconhecer
Que ignoramos
E que outros no seu dizer
Revelam alguma mestria. 

 

Falem-me em silêncio, na língua da erva
Ou na mais cantarolante dos regatos
E das aves que fazem estrugir as folhas secas
Quando as fêmeas se enamoram
Ao ver as danças dos machos. 

 

A vida, esse livro tremendo,
Representa-se devagar,
Em cenário nocturno
Cortado pelo brilho da lua e pelo
Visionar da coruja.
Mais nada é preciso para tocar o astro
Excepto silêncio e cordura.

 

***

Maria Estela Guedes

 

******************************

 



publicado por carlossilva às 13:47
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Sábado, 3 de Outubro de 2009
estudos de cor: dores RGB

 

As dores da minha amiga sabem a loas:

Em torno de Saturno - o velho deus que se agarra

Ao bordão sobraçando um vaso de ouro - Giram loucas.

E ela, feita elegia ardente,

crepita e em faúlhas de yellow, green, blue,

Red, white, cyan & magenta. A seguir, morre.

E logo brota, crioula.

 

***

Maria Estela Guedes

 

*************************************

 


lido em: geisers

publicado por carlossilva às 12:36
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Quarta-feira, 29 de Julho de 2009
cmyk

 

O bom amigo das cores

Chora pérola e carmim. Não conhece a laurissilva

Nada sabe do alecrim. Ideou uma catedral

A deuses policromados

Em custódias de âmbar mole

& graais de azul-sulfato. Nada em chávenas

Turquesa com peixes azul-de-prússia;

O corpo ondulante e opala

Desmaia em brancuras de marquesa.

Cobre a cabeça aos deuses

Com elmo cúpreo-acintoso. Emite azul, amarelo

& preto - ais da calda bordalesa.

O meu grande amor opaco

Chora em palco de corais

& eu limpo-lhe a cara com os dedos

Vermelhos de cochinilha. Deus do azul, do

Amarelo & da juvenil verdura

Com que tantas mantas de pintam,

Ele é de+cor por ser gramado.

 

***

Maria Estela Guedes

Britiande (Lamego) - 1947
 

*************************************

 

 


lido em: Geisers

publicado por carlossilva às 01:19
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