Quinta-feira, 1 de Novembro de 2012
ruínas

 

Por onde quer que tenha começado,

pelo corpo ou pelo sentido,

ficou tudo por fazer, o feito e o não feito,

como num sono agitado interrompido.

 

O teu nome tinha alturas inacessíveis

e lugares mal iluminados onde

se escondiam animais tímidos que só à noite se mostravam

e deveria talvez ter começado por aí.

 

Agora é tarde, do que podia

ter sido restam ruínas;

sobre elas construirei a minha igreja

como quem, ao fim do dia, volta a uma casa.

 

***

 

manuel antónio pina

 

*


lido em: Todas aspoesia reunida Palavras -

publicado por carlossilva às 01:58
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Sábado, 20 de Outubro de 2012
o medo

 

Ninguém me roubará algumas coisas,
nem acerca de elas saberei transigir;
um pequeno morto morre eternamente
em qualquer sítio de tudo isto.

É a sua morte que eu vivo eternamente
quem quer que eu seja e ele seja.
As minhas palavras voltam eternamente a essa morte
como, imóvel, ao coração de um fruto.

Serei capaz
de não ter medo de nada,
nem de algumas palavras juntas?

 

***

manuel antónio pina

 

1943 -2012

 

*


lido em: http://www.citador.pt/poemas/o-medo-manuel-antonio-pina

publicado por carlossilva às 00:01
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Sexta-feira, 19 de Outubro de 2012
Poesi...

daqui: webcedário


lido em: https://www.facebook.com/webcedario

publicado por carlossilva às 21:57
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Sábado, 9 de Abril de 2011
m., a última palavra

 

Entre restos de vida passada

refugiava-se o coração de cada um de nós no seu covil,

uma gota de sangue, pequeno vitral de reflexos coloridos,

na orelha de M., a pistola no chão perto da mão, ainda quente a pistola.

 

O que quer que tivesse acontecido

fora em sítios inacessíveis às notícias dos jornais

e aos flashes das máquinas fotográficas

voando agora como aves cegas à sua volta.

 

Um grande mutismo cobrira tudo

gelando os nossos passos e o que disséssemos

ainda antes de pronunciado;

percebia-se, de quem sempre quis ter a última palavra.

 

Não se percebia era a falta de uma explicação ou de um sinal

(ao menos um sinal justificar-se-ia dadas as circunstâncias),

apenas um botão do casaco mal abotoado,

provavelmente sugerindo alguma impaciência.

 

***

manuel antónio pina

 


lido em: Público

publicado por carlossilva às 16:53
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Quinta-feira, 15 de Outubro de 2009
esplanada

 

Naquele tempo falavas muito de perfeição,

da prosa dos versos irregulares

onde cantam os sentimentos irregulares.

Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

 

agora lês saramagos & coisas assim

e eu já não fico a ouvir-te como antigamente

até um sítio escuro dentro de mim.

 

O café agora é um banco, tu professora do liceu;

Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.

Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,

e não caminhos por andar como dantes.

 

***

Manuel António Pina

 

******************************

 

 



publicado por carlossilva às 03:15
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Quinta-feira, 11 de Junho de 2009
na hora do silêncio supremo

... knowledge is but oblivion...

 

Não haveria roubo, e há só o roubo,

há só a música, é lá quew tudo ondeia...

Já li tudo, já fiz tudo (quem?).

Regresso, pois, à minha solidão.

 

Ouvir-me-eis até ao infinito.

Nós só falamos para nós próprios

e o tempo não existe, nem os outros.

 

Porque está tudo paradoe aquele que escreve

é também eternamente escrito.

O seu passado é o Futuro de tudo,

ele a sombra de tudo o que há-de vir.

 

***

Manuel António Pina


*******************************

 



publicado por carlossilva às 02:34
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Sábado, 4 de Outubro de 2008
amor como em casa

Regreso devagar ao teu

sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que

nãp é nada comigo. Distraído percorro

o caminho familiar da saudade,

pequeninas coisas me prendem,

uma tarde num café, um livro. Devagar

te amo e às vezes depressa,

meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,

regresso devagar a tua casa, compro um livro, entro no

amor como em casa.

 

***

Manuel António Pina (1943)



publicado por carlossilva às 00:01
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Domingo, 13 de Julho de 2008
agora é

 
 
Agora é diferente
Tenho o teu nome o teu cheiro
A minha roupa de repente
ficou com o teu cheiro

Agora estamos misturados
No meio de nós já não cabe o amor
Já não arranjamos
lugar para o amor

Já não arranjamos vagar
para o amor agora
isto vai devagar
isto agora demora

***

Manuel António Pina (1943)
Sabugal (Portugal)


lido em: Poesia Reunida

publicado por carlossilva às 00:01
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