Busque Amor novas artes, novo engenho,
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.
Qlhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças.
Andando em bravo mar mar, perdido o lenho.
Mas, conquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê;
Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê.
***
luís de camões
*
O céu, a terra, o vento sossegado...
As ondas, que se estendem pela areia...
Os peixes, que no mar o sono enfreia...
O nocturno silêncio repousado...
O pescador Aónio, que, deitado
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado:
- Onde (dezia), antes que Amor me mate,
torna-me a minha ninfa, eu tão cedo
me fizeste à morte estar sujeita.
Ninguém lhe fala; o mar de longe bate,
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.
***
Luís de Camões
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(...)
E pera isso queria que, feridas
As filhas de Nereu no ponto fundo,
De amor dos Lusitanos encendidas,
Que vem de descobrir o novo mundo,
Todas nuã ilha juntas e subidas,
Ilha que nas entranhas do profundo
Oceano terei aparelhada,
De dões de Flora e Zéfiro adornada;
Ali, com mil refrescos e manjares,
Com vinhos odoríferos e rosas,
Em cristalinos paços singulares,
Fermosos leitos, e elas mais fermosas;
Enfim, com mil deleites não vulgares,
Os esperem as Ninfas amorosas,
De amor feridas, pera lhe entregarem
Quanto delas os olhos cobiçarem.
(...)
***
Luís de Camões
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Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos
E para mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos-
Cuidando alcançar assim
O bem tão malordenado
Fui mau mas fui castigado.
Assim que, só para mim,
Anda o mundo concertado.
in Primeiro Livro De Poesia
selecção de Sophia de Mello Breiner Andresen
ilustrações de Júlio Resende
***
Luís de Camões (1524(?) - 1548)
Lisboa - Portugal
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Luís Vaz de Camões
(Sonetos de Luís de Camões escolhidos por Eugénio de Andrade)
Porto: Assírio & Alvim (2002)
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