Quarta-feira, 1 de Maio de 2013
convictos
Das manhãs laminares
que deslizam pelo útero
escolho aquela
vermelha suspensa
em que olhos se espalharam
grandes e convictos
e nunca mais te viram.
***
joana espain
*
lido em: http://avoltadascoisas.blogspot.pt/2009/02/laminar.html
Segunda-feira, 1 de Abril de 2013
um trompete dança-me agora a medo
um trompete dança-me agora a medo
sopros abertos por dentro
erguem-me os braços e bailam para longe
é exacta a saudade entre os meus braços
e as pernas calçadas de margens sem mim
sei das paisagens mas entre as minhas pernas e o horizonte
sempre houve danças que não entendo
prefiro a superfície da música
sem direcção, um gesto em vez de um passo,
o movimento das pernas não pode escrever-te num quarto escuro,
só mãos a abrir um corpo
sem pernas o amor é de braços longos capazes de calar a linguagem das árvores
quando já só existe um vento fino ao piano,
os braços não caem
e um movimento de alegria tem que ondular pelo corpo acima
seguro, quando rodas
os teus braços levantam um pólen tão ordenado como o das abelhas
que recolho nos meus
e se os vires desvanecer em direcção pouco certa
nesse instante diz-me adeus, como se só as pernas me tivessem partido,
tem cuidado meu amor com a inveja que as palavras têm dos braços
um gesto ouve-se menos que um passo
e o nosso abraço roda sem atrito
vês, como se ergue ligeiramente
e vai dispersando a terra que lhe cai em cima
os teus braços não são teus
são duas rezas minhas
***
joana espain
*
lido em: http://avoltadascoisas.blogspot.pt/2012/05/um-trompete-danca
Segunda-feira, 7 de Janeiro de 2013
não sei que dizer-te
não sei o que dizer-te
mais do que uma praça de gente
de passados em passadas
novos e velhos que se cruzam
sem revolta numa praça Espanhola
na ínfima parte da luz de uma estrela
ultrapassando a informação que aqueça demasiado
e adormecendo as mãos na arte de repetir as arcadas
para acalmar o cio do ciclo
colunas e sinos para amaciar a velocidade
guardar o ritmo de bicho num som que não se entende
e se entenda feliz
não sei o que dizer-te
dou lanço a esta praça
onde sei que também moras
e moram os abraços dos olhos no fim das ruas
mais lanço até que as arcadas criem em vento
a passagem frágil entre bichos extraordinários
rastos de luz em informação
que chegue apenas para rir
e encontro sempre um mesmo ponto
nos desvios vermelhos
no centro das praças Espanholas
de todos em todos
um beijo parado ao sol
***
joana espaín
*
lido em: http://avoltadascoisas.blogspot.pt/
Sábado, 7 de Abril de 2012
ao tocar um caminho
ao tocar um caminho
falei-lhe ao ouvido
de uma matéria mais quente
para se esquecer da imitação das árvores
à escala de uma estação o olhar
cada volta que a informação dá no espaço
como um convite para dançar
fomos deixando crescer as árvores
não era urgente falar de árvores
não são urgentes as praças
não sou urgente?
ao toque os caminhos acalmam
e sentam-se nas praças
fingem dormir
nesta praça
a cair
de uma estrela
onde a informação se encostou um dia
apaixonada pelos olhos de um bicho
e caminhou
***
joana espain
*
lido em: http://www.avoltadascoisas.blogspot.pt/
Sábado, 8 de Outubro de 2011
tempos dela
falei com ela
disse-me que os rios tinham pressa
e havia brisas quentes que falavam
cristo não tinha nascido
e a expectativa era grande
e uma amiga muito calma
tinha sido queimada pela alma
perguntou-me sobre a palavra
contei-lhe de traumas padres
inteligências emocionais
e interacções fundamentais à distância
para acalmar
a brisa ainda fala
com cuidado
apontou para trás de mim
e sorriu
sem ruído
***
joana espain
*
lido em: As linhas não existem
Sexta-feira, 7 de Outubro de 2011
o mundo cheira a abismos
o mundo cheira a abismos
de bolas de sabão
sei porque tenho um manto
de lance finito
onde se desenham
e um canto
numa escala branca
que o mede a medo
deram-me um manto
uma escala
e a tortura do gingar
de uma janela
***
joana espain
porto, 1977
*
lido em: As linhas não existem
Quarta-feira, 20 de Julho de 2011
fibra óptica de ícaro
I
I
ouvem-se menos as esquinas lá fora
os touros andam distraídos
em redondos dentro de redondos
galerias de pedra de redondos
(só um infinito podia deixar acabar-se assim em redondo)
de cornos sensíveis
a uma certa inclinação de sangue
alguns dançam e rodopiam pescoços
(a mais bela transição)
lançam corpos moles em hélice pelo ar
sabem que os reflexos nunca obedeceram
(a pedra redonda sempre foi um bom espelho
e um touro não pode ser deus)
fica sempre um gesto letra-borboleta
naquela pá-limpa-cesto pouco limpa de mãos
um dedo mindinho girado aleatoriamente
e escrevem-se infinitos de mãos dadas
II
ouvem-se menos as esquinas lá fora
touros sérios sentados em cadeiras olham-se de frente
sentem como certa a inclinação
o binário das esquinas das estrelas dos cabelos das caras moles
do encontro forçado das paredes
quando dois
catorze (infinitas) portas
abrem e piscam em fibra óptica
o céu é um emaranhado de fios de néon azul
(cada um a puxar a saia azul de uma princesa)
e os touros começam a desenhar danças inclinadas
(antigos avisos)
na pedra redonda
há sempre touros calmos a rir
de cornos azuis
a adormecer informação nos terraços
em relvas mornas de vulcões
III
ouvem-se menos as esquinas lá fora
(e se existem cornos e esquinas)
a informação queima as asas
só tambores debaixo de água
cheira a mar
e é impossível voar acima das fibras ópticas azuis
sem puxar à velocidade da luz
as saias de todas as princesas
em roda tribal (que nunca se soube escrever)
de sentido contrário à inclinação
pendurados por milhares de fibras
às grandes asas mecânicas
há touros centrífugos a acelerar
e mais alto que o ritmo das esquinas
ouve-se no seu canto:
a casa é um labirinto com uma certa inclinação para o mar
***
joana espain
*
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Segunda-feira, 30 de Maio de 2011
bolo de milho
gosto de bolo de milho
e nada é mais simples que isto
a minha varanda vai aumentando todos os dias para o mar
não sei quantas outras varandas com velas cá chegaram
sei que as espero como um Índio de pernas cruzadas
que aceita trocar
posso entender olhos em caras muito longe
e na dúvida sei dobrar
as sobrancelhas à volta da terra
é que está tudo tão quieto aqui
depois de guerras se comerem sozinhas
pedras arderem no espaço
e células codificarem operações militares
que não me cabe a mim perguntar
só deixar o colapso acontecer
no que muito bem lhe apetecer
como este bolo de milho
tão simples de gostar
***
joana espain
*
lido em: http://avoltadascoisas.blogspot.com/
Quarta-feira, 2 de Fevereiro de 2011
à volta das coisas
tenho medo das linhas
à volta das coisas
linhas de luas lentas
ao longe mas à lupa
ondas rápidas que escurecem
com falta de probabilidade
não existem
linhas quadradas de xadrez
penduradas no Anjo
e desfeitas em renda pela noite
à espera do tempo
entre a laranja e o resto do mundo
tenho medo que não existam
as linhas à volta do meu corpo
***
joana espain
porto,1977
*
lido em: http://www.avoltadascoisas.blogspot.com/
Domingo, 31 de Outubro de 2010
espumas
aquela direcção de espuma branca e sigo
o mar sobe-me pelas pernas
enquanto desce espreita
e de lado repete
é morno e sei que brinca
e a minha mão vai abrindo devagar
de polegar inútil ao líquido
de lado ele faz e desfaz as costas
e as pernas do meu desenho
molhado em séculos ao mesmo som
gasta tudo o que repete
e deixando as minhas pernas vazias
é então que nesse espaço solto
entre ossos e mar
nasce devagar um engano de carne seca
de peso a quatro vezes a espinha
e o mar agora só sobe sem som
perpendicular a mim - a espuma
e uma cama velha de coral
lido em: http://www.avoltadascoisas.blogspot.com/