Tenho uma pressa danada de ir a lado nenhum, com um zunzum
nas orelhas assobio perto de ti. não se deve ver uma cara
tanto tempo, o assobio partir-se-á e já a dobrar a esquina
no retrovisor sinto que deixei atrás de mim uma miragem.
Insecto molhado, sacodes as asas da chuva de molha-parvos
e obrigo-te a vir comer à minha mão, um excelente dia
para passear, falar, conversar de braço dado, dar exercício
ao raciocínio, movimentar um pouco as pernas, esbracejar.
A pala da mão contra o sol inscreve beleza no retrato
mas mais não faz do que proteger-se do teu olhar acutilante.
Quando nos saites pornográficos para velhos as dentaduras
com mãos trémulas depositadas em copos de água de vidro
nos fazem perceber as cenas seguintes do verdadeiro sexo
oral, uma tristeza irrompe sem controlo pelas minhas lágrimas
dentro e quero ver cada vez mais para desaprender.
***
helder moura pereira
*
Ainda existem as ruas onde por acaso
nos encontrávamos? Tantos dias correram
num ano, viam-me em dias de mais
desejo apressar os passos, olhar para
o relógio, pôr falhando os discos
nas capas. Parecia ter sido só uma
despedida de um dia para o outro, agora
se escrevo é porque és apenas uma imagem
da memória, pouco faltará para que
guarde de ti um risco, um embaraço.
E sempre chegarei a tactear o rosto,
fingir que me lembro de alguns sinais,
das poucas palavras necessárias para que
eu aceitasse, duas vezes o meu corpo
esteve como teu, outras mais do que
podes pensar. Na volta de uma esquina
não reparo, tropeço, encontro, o último
sorriso começa a nascer.
***
Helder Moura Pereira
**************************
Ternos amadores caminhavam
no caminho que ia dar ao ponto
mais alto da serra, desapareceram
na luz do sol, davam e tiravam
as mãos, vestiam de maneira quase
igual pelo azul do mar, espião
apenas do suspeito? Também os
pássaros, os arbustos um pouco
inclinados ao vento, as conchas
calcinadas, mistura de cheiros
bons. Os espinhos secos cravavam-se
nas pernas, vi o que não vi, a
ofegante respiração, o alegre
final. Distante da ameaça e do
perdão deixem-me entrar nesse jogo,
apenas mais um.
***
Helder Moura Pereira
**************************************
Por um rosto chego ao teu rosto,
noutro corpo sei o teu corpo.
Num autocarro, num café me pergunto
porque não falam o que vai
no seu silêncio aqueles cujo olhar
me fala da solidão.
Esqueço-me de mim. Tão quieto
pensando na sua pouca coragem, a minha
sempre adiada.
Por um rosto
chegaria o teu rosto. mesmo de um convite
ousado fugiria, esta mão conhece-te
e desenha no ar o hábito
por que andou antes de saíres
do espaço à sua volta. Estás longe,
só assim podes pedir algumas horas
aos meus dias. Sem fixar a voz
a tua voz é uma corda, a minha
um fio a partir-se.
***
Helder Moura Pereira (1949)
Setúbal (Portugal)
adelia prado(5)
adilia lopes(8)
al berto(6)
alba mendez(4)
anxos romeo(4)
augusto gil(4)
aurelino costa(11)
baldo ramos(6)
carlos vinagre(13)
daniel maia - pinto rodrigues(4)
fatima vale(10)
gastão cruz(5)
jaime rocha(5)
joana espain(10)
jose afonso(5)
jose regio(4)
maite dono(5)
manolo pipas(6)
maria lado(6)
mia couto(8)
miguel torga(4)
nuno judice(8)
olga novo(17)
pedro mexia(5)
pedro tamen(4)
sophia mello breyner andressen(7)
sylvia beirute(11)
tiago araujo(5)
yolanda castaño(10)
leitores amigos
leituras minhas
leituras interrompidas