Os mortos vêem com os
olhos dos vivos e os vivos
fecham os olhos como se quisessem
ver o mundo dos mortos pois estão
todos vivendo com o mesmo alento
oblíquo: actores
dum teatro findo, vejo ainda
nele o sentido antigo da vigília
***
gastão cruz
*
As longas avenidas talvez imaginárias
demonstram-me a existência de lugares
que poderiam ter-me pertencido
numa idade passada; é irreal
agora percorê-las: tê-lo-ia
sido sempre, não poderia haver
motivo para dor num tempo qu ecom este
presente se divide; é um espectro tardio
o espaço finalmente criado pelo olhar:
aí estás olhando-me nos olhos
cidade sob a forma de jovem ser unívoco
ainda inexistente no tempo de uma vida
vivendo no espaço que não teve o seu tempo,
e tarde volta do tempo onde não esteve
***
gastão cruz
*
Às vezes despedimo-nos tão cedo
que nem lágrimas há que nos suportem o
peso da voz à solidão exposta
ou
de lisboa no corpo o peso triste
Às vezes é tão cedo que nos vemos
omitidos
enquanto expõe
o peso insuportável
do amor
a despedida
É tão cedo por vezes que lisboa
estende sobre os corpos o desgosto
Com os dedos no crânio despedimo-nos
***
Gastão Cruz (1941)
Faro - Portugal
********************************
Gostava de explicar-te e de poder
eui próprio compreender
por qu emomentos houve em que perder-te
era metal fundente como o disse um poeta
entre nós e as palavras existir
Eu seria as palavras tu os corpos
fundentes de nós dois, pela separação
futura liquefeitos
Era de cada vez como se a vida
também fundisse e o seu metal escorresse
sobre a pele da perda talvez isso
explicasse como o chumbo
da ilusão derrete e nos liberta
até desse momento em que tememos
nada mais ter
Mas como poderia
eu amar-te e achar-te já de mais
sentir estando tu tão perto ainda
a onda
da ausência contornar-me
O céu em certos dias produza
o efeito de um espelho em que voltávamos
inversos
ao verão que tu julgaras
então igual à vida e era apenas
a infância perdida sobre o mar
***
Gastão Cruz
*********************
São plátanos palmeiras castanheiros
jacarandás amendoeiras e até as
oliveiras que
quando a noite cai na infância formam uma
cortina escura na estrada frente à casa
árvores apagando os dias que a memória
avidamente esconde
no corpo do seu gémeo Penetra inutilmente
na terra essa raiz do branco plátano
adolescente
e o campo do tempo onde as palmeiras eram
pilares do corpo nu símbolo de
si mesmo, à luz
do dia fixo, já se estende
na húmida manhã dos castanheiros
Esquecimento que tudo enfim possuis
e geras
a ofuscante luz igual à da
memória, do tempo como ela
filho, construtor da ausência,
em vão te invoco Tu
que mudas a roxa amendoeira
em brancas flores do jacarandá
entrega a minha vida às árvores
que foram na manhã e no crepúsculo
no meio-dia e na noite, palavra
clara que traz o dia em si fechado
***
Gastão Cruz (1941)
Faro (Portugal)
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