Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem como espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.
Se ela deixasse, extático e suspenso
Tomar-lhe as mãos mignonnes e aquecê-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das estrelas.
Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos venceria
O clarão dos relâmpagos noturnos.
Se ela quisesse amar, no azul do espaço,
Casando as suas penas com as minhas,
Eu desfaria o Sol como desfaço
As bolas de sabão das criancinhas.
Se a Laura dos meus loucos desvarios
Fosse menos soberba e menos fria,
Eu pararia o curso aos grandes rios
E a terra sob os pés abalaria.
Se aquela por quem já não tenho risos
Me concedesse apenas dois abraços,
Eu subiria aos róseos paraísos
E a Lua afogaria nos meus braços.
Se ela ouvisse os meus cantos moribundos
E os lamentos das cítaras estranhas,
Eu ergueria os vales mais profundos
E abateria as sólidas montanhas.
E se aquela visão da fantasia
Me estreitasse ao peito alvo como arminho,
Eu nunca, nunca mais me sentaria
As mesas espelhentas do Martinho.
***
cesário verde
lisboa, 1855 - 1886
*
Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete ribro de papulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós zcampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
***
Cesário Verde
(1855 - 1886)
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Naquele pique-nique de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!
***
Cesário Verde (1855 - 1886)
Lisboa - Portugal
Se a minha amada um longo olhar me desse Dos seus olhos que ferem como espadas, Eu domaria o mar que se enfurece E escalaria as nuvens rendilhadas. Se ela deixasse, extático e suspenso Tomar-lhe as mãos mignonnes e aquecê-las, Eu com um sopro enorme, um sopro imenso Apagaria o lume das estrelas. Se aquela que amo mais que a luz do dia, Me aniquilasse os males taciturnos, O brilho dos meus olhos venceria O clarão dos relâmpagos nocturnos. Se ela quisesse amar, no azul do espaço, Casando as suas penas com as minhas, Eu desfaria o Sol como desfaço As bolas de sabão das criancinhas. Se a Laura dos meus loucos desvarios Fosse menos soberba e menos fria, Eu pararia o curso aos grandes rios E a terra sob os pés abalaria. Se aquela por quem já não tenho risos Me concedesse apenas dois abraços, Eu subiria aos róseos paraísos E a Lua afogaria nos meus braços. Se ela ouvisse os meus cantos moribundos E os lamentos das cítaras estranhas, Eu ergueria os vales mais profundos E abateria as sólidas montanhas. E se aquela visão da fantasia Me estreitasse ao peito alvo como arminho, Eu nunca, nunca mais me sentaria Às mesas espelhentas do Martinho.
Cesário Verde Lisboa, Diário de Notícias
22 de Março de 1874
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