Encosto-me à parede, sem veias, como o temor.
escorro-o, o deserto das pálpebras.
num tremor que não tem nome
nem denominação, nem sede,
o vapor crava a carne até que o crepúsculo se evapore
num grito pelo vácuo.
no deserto, coberto de nuvens,
a escuridão percorre o infinito
e as nuvens circulam com os seus tentáculos
os olhos humedecidos pelo lago.
na penumbra escuta-se o precipício
e o sangue liquidado anestesia-se numa transpiração
pelos alvéolos da terra.
a água alimenta a transfusão
***
carlos vinagre
*
"algures pela rua no nenhures da vida"
o crepúsculo fecha-me pelas mãos
na sua lucífera têmpora está o céu
um óvulo machado na sua cor ilegal
um pinhal de luas num invólucro de desejos involuntários
brumas de sonhos que sangram pela lâmina da luz
um punhal de poente com cabelos de rosas
e névoa na pele da tarde
esse céu rosado
ferido de clarões proféticos
essa trévoa que danifica as vértebras
e clarifica como uma fibra menstrual
o protesto da carne arbórea
o místico óvulo que transmigra pela saliva
a chuva que transita pela água do indefinido
o alimento incandescente em pétalas
a cadeira intangível das recordações
a extinção da alba pelo rosto do tempo
o rio que se esconde na casa do inverno.
***
carlos vinagre
*
O Corsário da vida é como os teus beiços a sobrevoar o meu corpo. O arco, na sua chama de clarinete, hospitalar, abunda numa boneca com farrapo e um vagabundo cristal. Tilintar das chaves, a tua pele a roçar. A boca para o principício - abundância do suor pela fechadura cíclica no feto trespassado pela cor - o orifício das borboletas.
Apaixono-me diante do que não posso. E transpiro pela fragância o imaginável.
A torrente das coisas suplanta-me. Abro o manancial.
- a perspectiva
***
carlos vinagre
*
executo-me
em cada frase que pronuncio
no enorme bosque de labaredas
há espelhos a partir as escamas
uma náusea a fiar os olhos
executo-me
e em cada pele que transmuta
um alerta excreta pela ponta do penhasco
uma sombra a espalhar-se pelo mundo
executo-me
e na execução da minha carne
na ascese do meu corpo
uma luz embacia o sonho
e no vidro do do rosto
cai a chuva pelos músculos
como um turismo sem forma
executo-me ininterruptamente
***
carlos vinagre
*
As mãos cobrem a terra nos lábios
rarefeitos - a ténue emoção do rosto
rarefeitas - as mãos cobrem a boca
na água nocturna
no sucalco
as mães gritam aos penhascos
com a barriga exangue
o húmus cavernoso
há o sal a pairar na terra
e a tocha abre o córtex
com um pedaço de sombra sobre o corpo
recôndito - um espasmo sobe as pernas
como a meia-noite em esperma
esquece-se a mênstrua saia do mundo
***
carlos vinagre
*
o simbiótico lume de solidão é um lapso humano
nas regiões distantes do transe
como efeito do lusco-fusco
opera uma nítida inibição da alegria
como um magma que cobre a terra junto ao casco do húmus
o parto da vida é não haver parto nenhum
só uma recombinação de forças numa tarde de vénus na espuma
do tempo
as tristezas talvez existam...
as dores do corpo...
e tudo o mais...
prefiro esta terra de sonho e aguardar por uma princesa que é um peixe
de sal sobre a lua
a minha cara espreita na língua do sol
***
carlos vinagre
*
carlos vinagre
*
adoro ruminar
as ruidosas superfícies arrancadas dos suspiros
a filosofia do grupo tem uma álgebra de diabretes
lambuzando os beiços
colam-se dias amontoados de lixo
as gavetas misturam inequações institucionais
nas rodelas do hospício
matam-se ideias ponderadas pela irracionalidade
das mandíbulas
fibra das relações bipartidas
cintos atados nas jóias matrimoniais
alimento sentado os marcos que compõem lúgubres
alegrias
e janton capas apimentadas de bruma nas chaminés
***
carlos pinto vinagre
espinho, 1988
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