Dez da manhã. Vento da serra.
Três graus negativos
Mãos frias, coração quente!
Qanta vez isto dizias
Com teu ar sorridente,
Aquentando-me as mãos frias...
Agora decerto o tenho
Num braseiro, num vulção.
O frio é tanto, é tamanho
Que a pena cai-me da mão...
Qu'ria dizer-te o que penso
E o que faço e premedito,
Mas posso lá ser extenso
Com este frio maldito!
Tu perdoas certamente,
Tu não te zangas, pois não?
Mãos frias, coração quente
- Lá diz o velho rifão...
***
augusto gil
*
Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
. Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…
E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.
***
Augusto Gil(1873-1929)
Porto - Portugal
Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
. Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…
E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.
***
Augusto Gil (1873 - 1929)
Lordelo do Ouro (Porto)
Descanse de quando em quando…
Passar assim toda a tarde
Sempre bordando, bordando,
Sem que um momento desista,
Até faz pena! Não lhe arde
Nem se lhe perturba a vista?…
Descanse de quando em quando…
Erga os olhos do bordado
E veja quem vai passando.
O trabalho alegra a gente,
Mas assim, tão aturado,
- Não lhe faz bem, certamente;
Erga a carinha tranquila,
Erga esse rosto tão lindo
E veja os moços da vila
A passarem por aqui,
Uns descendo, outros subindo.
- E todos de olhos em si…
Descanse de quando em quando
E veja se escolhe algum;
Já é tempo de ir pensando
Em casar. Não é assim?…
Se não lhe agrada nenhum,
- Diga se gosta de mim.
Desde os começos do Outono
Que eu a trago no sentido,
Não como, não tenho sono,
Tudo me dá ralação.
Quer-me para seu marido?
- Diga que sim ou que não…
***
Augusto Gil (1873 - 1929)
Porto (Portugal)
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