Eu, alguns centímetros longe da vírgula
(recurso antigo) amparo o longe:
o muro esburacado vai cair
e as doidas cicatrizes já se comem,
cheias de bolor, umas às outras.
De poeta em poeta, através de mim,
mudo o discurso para trás do barco;
vencido durante horas não me afundo,
este sítio o conheço d'algures
quando, sentado sobre o pão e as semanas,
o vocabulário hostil me provocava.
À procura de um regato, sempre a água,
na paisagem que me quadra à liberdade
de a pintar com os sons que tenho em casa.
Eis o que, em prosa e e frauta
me transporta até ontem a voz suspensa.
***
antónio barahona
*
Por cada verso feito quantas noites
desfeitas e mulheres transfiguradas,
madrugadas, cidades, auto-estradas,
montes de cartas, mortos e ausentes.
Por cada verso feito me despeço
dêste mundo, em pedaços repartido,
pois só consigo reunir-se quando fundo
império de poema nunca escrito.
***
antónio barahona
*
Os políticos são tão maus actores,
falazes tão sinceros com acinte
que cada um para si próprio mente
até acreditar que diz verdades.
Mas nem sequer actores logram ser:
não passam de palhaços em apuros,
que têm reacções tal qual de burros
à nora, a cumprir mal o seu dever.
Dever do deve e haver, mais nada :
os seus discursos zurram só finanças,
insultos à mistura, guinchos, dansas
e fingem sem vergonha e sem piada.
Tais palhaços não fazem rir crianças.
***
antónio barahona
*
Escrevi milhares de versos
para esquecer. Amei algumas mulheres
para lembrar. Agora já posso dizer
o som em carne viva.
A cidade assemelha-se a um acampamento
abandonado no deserto. Os nómadas
partiram nos seus camelos, com provisão
de tâmaras e água.
Há restos de detritos, sinais de trânsito,
folhas arrancadas a revistas pornográficas,
ao sabor do vento, por entre pétalas
sêcas de flores mortas.
Há resíduos de sítios onde estive contigo,
fragmentos de versos de vidro, tudo
muito nítido, anotado, vincado a oiro.
***
antónio barahona
*
Os dois bebemos a noite toda, sem parar,
entre conversas, onde nada se dizia
e tudo se calava em gritaria
sem medo de cantar.
Oh, a minha primeira noite sem dormir!
E vi nascer o dia, à chuva, deslumbrado,
cambaleando em passo lento, enlameado,
com medo de cair.
Contigo contemplei, em tom profundo,
a cor da lucidez do vonho vivo,
vagabundagem com som próprio e sentido,
até ao fim do mundo!
***
antonio barahona
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