Tal como outros têm por secretária a noite
eu tenho a minha gabardina
de botões desusados e conversas redondas
que vai com os dias de chumbo
e traz filhos ilegítimos como pardais.
Eu e a minha gabardina
formamos uma só e vejam lá que
nos dias de chuva eu molho-me
ela fica enxuta.
A minha gabardina é o meu cão
fiel quando se rasga e mostra um segredo
mapa de meses outros em que nos escondíamos
das luzes excessivamennte denunciadoras
na rua patriarcal.
A minha gabardina é o meu gato
sobranceira aos epítetos de arcaica e
inactual.
«A culpa foi da gabardina»
acusou o amor quando abandonou a casa
doente da minha pele impermeável
às imagens negociadas do desejo.
Hei-de morrer com a minha gabardina
Exo-la como o fato de Joseph Beuys
***
ana paula inácio
*
como se o vento trouxesse
recados
que pudesse abandonar
ao serviço do mensageiro
como se o vento te pudesse levar
e as palavras transformar
no milagre da cerejeira
não descuides o vento
que quem uiva
é lobo faminto
rodeia-te antes do essencial
faz-te cozinheira, semeia o teu quintal
o que por natureza rola
h-de rolar
e tu sozinha
o que podes contra o vento?
***
Ana Paula Inácio (1966)
adelia prado(5)
adilia lopes(8)
al berto(6)
alba mendez(4)
anxos romeo(4)
augusto gil(4)
aurelino costa(11)
baldo ramos(6)
carlos vinagre(13)
daniel maia - pinto rodrigues(4)
fatima vale(10)
gastão cruz(5)
jaime rocha(5)
joana espain(10)
jose afonso(5)
jose regio(4)
maite dono(5)
manolo pipas(6)
maria lado(6)
mia couto(8)
miguel torga(4)
nuno judice(8)
olga novo(17)
pedro mexia(5)
pedro tamen(4)
sophia mello breyner andressen(7)
sylvia beirute(11)
tiago araujo(5)
yolanda castaño(10)
leitores amigos
leituras minhas
leituras interrompidas