Elas andam de eléctrico, às vezes de autocarro
e vestem gabardinas mais velhas do que elas.
Cheiram um pouco a chuva, a escuro, a barro,
a naftalina, a piano e à cera das velas.
Elas andam nas ruas mas ninguém dá por elas,
pelos seus grandes dentes, suas magras orelhas,
seus óculos de massa, suas mãos amarelas,
suas blusas velhas, suas saias tão velhas.
E lêem os jornais de manhã à tardinha,
de manhã a manhã como quem ganha o dia,
têm rugas, verrugas e pés de galinha
lançaram-lhes nos olhos uma rede sombria.
Cultivam com ternura plantas e memórias
e os filhos das outras que elas viram nascer,
ou manipulam contas, ou usam palmatórias
para secar as lágrimas que não podem reter.
Têm fome de tudo, têm de tudo sede, têm falhas
de dinheiro, de amigos, de carinho.
aos pares, nas feias meias, caem malhas
e é só nos largos bolsos que as mãos encontram ninho.
Elas sabem que a vida lhes roubou os parentes
e que entre os que estão vivos há animais ferozes
e sentem longe o amor em homens sorridentes
e vêem-no escapar em círculos velozes.
Elas andam de eléctrico, mas também podem ir
de autocarro ou a pé, depressa ou devagar.
E encostam-se aos caixilhos para melhor dormir,
as faces junto aos vidros para poder sonhar.
***
António Rebordão Navarro (1933)
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