Mãos
O frio trabalhou nas tuas mãos como um operário inverno após inverno. Acarretou toneladas de graus abaixo de zero à tua sombra. Lavrou a artrose dos teus dedos como um artesão maldito. Meteu-se tão dentro de ti que mal distinguimos a geada de ti. Sopra entre as rosas que os teus dedos plantaram no subsolo do mundo. As tuas mãos de estopa que arrancam ervas daninhas as tuas mãos potentes que acarinham minerais antigos como se fossem o cão da casa, que extraem seixos debaixo do sonho, as tuas mãos que cortam em pedaços castanheiros de madrugada e trazem bezerros ao mundo desde o ano mil. Não se sabe se foram as tuas mãos ou as cicatrizes. Não se sabe se começaste a crescer pelas mãos e depois continuaram os órgãos a completar-te a vida. O teu coração cava com as mãos agarradas à terra. O teu cérebro ama os cereais com tuas mãos de menino pobre. As tuas mãos cheias de calos enxertam macieiras com a minha pele papá. Brilham-me na noite como o cobre. Sabem ir ao monte conduzindo o dia com uma aguilhada. As tuas mãos infantis que quase choravam ao tocar num naco de toucinho rançoso. Aquelas mãos que desconhecem a ortografia passam humildes pela lã duma ovelha sem arrabunhar o dia. Os meus olhos analfabetos observam atónitos as linhas das tuas mãos como carreiros sagrados. As tuas mãos afumadas são de madeira e papas. Põe-se-me o espírito como um bilhó pequeno quando estendes as tuas mãos como um mapa antiquíssimo que desorganiza a geografia humana. As tuas mãos que existem como o logaritmo decifrado pelo teu filho. As tuas mãos que não figuram na História de Heródoto. As tuas mãos instrumentais como um engaço de vento. As tuas mãos bárbaras como um povo limítrofe. As tuas mãos que não rezam mas crêem nas estrelas e no poder de uma nuvem carregada de água. Estão-me florescendo as tuas mãos. Estão nos meus estames. O sol é um heliotrópio que obedece felizmente às tuas mãos. A terra sabe meter-se-te entre as unhas para passar a noite ao quente. Está a minha mente em pleno degelo. A terra das tuas unhas é a única herança que desejo. As tuas mãos papá as tuas mãos anciãs de ouro e de farinha. As tuas mãos nas minhas.
Segredo
Sou dúctil e podem ferir-me com facilidade. Este é o meu segredo mais mal guardado.
Corvo à terra
Quando não te tenho ao lado tremo como uma espiga. Mas faço-me forte e a minha fertilidade canta aos teus tubérculos. Na noite troncal Faz-te de noite, pai. Estás cada vez mais perto de ti: a gravidade pousa como um pássaro no teu ombro. Descendo da tua genética que ordena: Corvo à terra.
Barro
Mantenho os pés num barro arcaico. Eu própria sigo o meu rasto… O vulcão vulnerável o Fragmento lítico Estou-me encadeando com uma flor Estou entrando no pensamento mágico Estou saindo de mim Cantam os meus ossos a canção do anti Édipo Está o barro minando-me Estou chorando plutónio Peço ao demónio que me leve à feliz idade. Pai. Durmo no meu quarto Crescente Atravesso entre troncos este transe
No quietismo total bastam-me os olhos para ver-te Está o canto do colesterol entupindo-me as artérias Estou lavando sozinha os meus glóbulos brancos ai
E aquele teu povo sem terra é agora a minha terra sem povo
Pai.
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