Meu doce amor dos três anos
vamos brincar aos índios sobre a erva da eira
a falar de Plutão que ainda era um planeta
as minhas pupilas são dois tambores na neve
a tua bola gira no espaço melhor que os meteoritos
passam os teus berlindes rugindo por veias coronárias
passam lágrimas rodando como berlindes azuis
quero ir dormir à toca dos grilos
quero ir contigo
meu amor dos dez anos
sou a menina que assistia ao enterro duma flor na tarde
a que dava o biberão aos cordeirinhos
em garrafas de estrela de Galicia
e aguardava que chegasses
como o melro pousado no último galho do dia
meu doce amor dos quinze anos
viste-me travestida de corvo descalça sobre montes de gelo
viste-me ceder como a madeira de buxo entre as lições de latim
entre equações de resultado incerto
entre raízes quadradas que davam flor no inverno
ainda me parece dormir enlaçada à tua apendicite
como uma magnólia da noite
meu doce amor dos vinte anos
vou pelo teu braço como pela clareira dum bosque
a campânula do tempo explode-me na cara
dou um salto mortal para me agarrar à vida
roubo lume nas hortas no canto de uvas negras
perdão se fiz mal perdão
de baixo das árvores que vão rumo ao subsolo
estou apreendida de memória pela mente de Dioscórides
classificada entre a lavanda e as plantas venenosas
se me vês fico cega
se me falas faz-se-me um eco na garganta
deito-me na tua cicatriz como uma gaze
tudo passa
meu doce amor dos trinta anos
vou pelo teu braço como por um braço de mar
à aventura
a minha vida é fruto do acaso
entre ruas de limoeiros e canelhas de chuva
entre megálitos absortos e lendas milenárias
sinto que me cantam em babilónia e bretanha
que a poldra do apocalipse me está esperando à porta
meu doce amor da idade do ferro
entre lanças e sentimentos campaniformes
o meu eu vai pelo teu braço como por um traço
inscrito numa tégula de bons augúrios
o meu amor vai pela tua mão
como o cão que é
meu doce amor dos trinta mil anos
o ar arranha
ulula nesta fissura
sinto que me cantam em babilónia e bretanha
que a poldra do apocalipse me está esperando à porta…
enquanto
o meu eu atónito
sobre um banco de peixes sentado
sente ainda talvez a candura
do doce amor dos três anos.
***
olga novo
*
[vertido por BlogNi, Poma Fidiró e Dria]
adelia prado(5)
adilia lopes(8)
al berto(6)
alba mendez(4)
anxos romeo(4)
augusto gil(4)
aurelino costa(11)
baldo ramos(6)
carlos vinagre(13)
daniel maia - pinto rodrigues(4)
fatima vale(10)
gastão cruz(5)
jaime rocha(5)
joana espain(10)
jose afonso(5)
jose regio(4)
maite dono(5)
manolo pipas(6)
maria lado(6)
mia couto(8)
miguel torga(4)
nuno judice(8)
olga novo(17)
pedro mexia(5)
pedro tamen(4)
sophia mello breyner andressen(7)
sylvia beirute(11)
tiago araujo(5)
yolanda castaño(10)
leitores amigos
leituras minhas
leituras interrompidas