Em miúda
quando me perguntavam de que tinha medo
eu sempre respondia:
de parir e do lobo
O lobo veio uma vez
à noite
voltávamos para casa atravessando o monte
o meu pai apontou-o com o dedo ia só como perdido
esquecido o instinto algures
retrocedida a fome a outra época
nem sequer nos olhou
absorto no seu sangue na sua cavilação
talvez
a noite evidenciava-lhe em seu pinar
a gangrena da sua espécie
Lembro bem as suas patas espartilhando a geada
o silêncio tenso com que a evolução assistiu a tal cena
a tosca indiferença da coruja do granito ou da massa do pão
que continuou a levedar as suas moléculas de farinha
atreitos de tal modo à extinção que não repararam um hiato…
Desde aí o meu medo é um guru que uiva na noite
a ti e a ti e a ti
embora me oiçam agora embora me vejam a falar
pondo a língua no ponto exacto a que obriga a mãe fonética
não sou eu
esta voz
que grunhe
garanto que não sou
eu
este ruído côncavo que as vogais fazem com o sangue
essa terebintina negra em que se me tornou o cuspo ao engolir
maldita seja eu mesma
e a raça que me ensinou a noite como se fosse uma abreviatura de deus
Agora já sei
de certeza
que as tripas do último lobo me rondam a linguagem
e se algum dia o monte me atravessar para voltar a sua casa
apontarei com o dedo aqui dentro
onde a voz de mim se apossa como de um réu
Que direi agora
se me perguntarem
de que tenho medo?
***
olga novo
*
[trad: alberto augusto miranda]
adelia prado(5)
adilia lopes(8)
al berto(6)
alba mendez(4)
anxos romeo(4)
augusto gil(4)
aurelino costa(11)
baldo ramos(6)
carlos vinagre(13)
daniel maia - pinto rodrigues(4)
fatima vale(10)
gastão cruz(5)
jaime rocha(5)
joana espain(10)
jose afonso(5)
jose regio(4)
maite dono(5)
manolo pipas(6)
maria lado(6)
mia couto(8)
miguel torga(4)
nuno judice(8)
olga novo(17)
pedro mexia(5)
pedro tamen(4)
sophia mello breyner andressen(7)
sylvia beirute(11)
tiago araujo(5)
yolanda castaño(10)
leitores amigos
leituras minhas
leituras interrompidas