Quando penso na alegria voraz
com que comemos galinha ao molho pardo,
dou-me conta de nossa truculência.
Eu, que seria incapaz de matar uma galinha,
tanto gosto delas vivas
mexendo o pescoço feio
e procurando minhocas.
Deveríamos não comê-las e ao seu sangue?
Nunca.
Nós somos canibais,
é preciso não esquecer.
E respeitar a violência que temos.
E, quem sabe, não comêssemos a galinha ao molho pardo,
comeríamos gente com seu sangue.
Minha falta de coragem de matar uma galinha
e no entanto comê-la morta
me confunde, espanta-me,
mas aceito.
A nossa vida é truculenta:
nasce-se com sangue
e com sangue corta-se a união
que é o cordão umbilical.
E quantos morrem com sangue.
É preciso acreditar no sangue
como parte de nossa vida.
A truculência.
É amor também.
***
clarice lispector
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