1
Entre dois espelhos
corre, o escasso dia, e ninguém
com ele corre.
2
Envelhecida
noiva, em cada esquina cai
de sono, a Lua Nova.
3
Exumadas rusgas,
lassas sombras que o medo
enlaça ao pé da escada.
4
Lívidos espasmos
prolonga então no sangue
a faca escura.
5
Um só desejo
espera pela demora de
outra chegada morte.
6
Frio lagarto,
o Sol acama a febre:
lodo, vento, cais.
7
A horas mortas,
vingam a luz nos saguões:
raro desgarro, cio.
8
Na mão ausente,
outro cigarro vago de
todo se fumou.
9
Nunca atendidas
ao balcão, glosam naufrágios
de cana, e cantochão.
10
Postos em linha
sobre carris forçam a malha
fugida do destino.
11
Olhos nos olhos
enchem: vazios favos,
fulvos, de ternura.
12
Siderados mortos
de sede, bebem a noite
noivada do sepulcro.
13
De borco ao relento
sonham prender-se a tempo
a cauda de um cometa.
14
Em menos dum ‘nstante
rastros de estrela ajusta a si
a face do archeiro.
15
Águas passadas
ponte que a avalanche de neve
carbónica atolou.
16
De rua em rua, já
nas mãos do florista se fez
noite a flor do absynto.
17
Sob pálpebras
de chumbo volta a ser chaga:
o fósforo do olhar.
18
Exaurida prece
esfriam as vozes, de arco em
arco, p’lo céu da boca.
19
A não ser que a chama
ateie o coração, ficam-se:
o sorriso de lacre.
***
vergílio alberto vieira
amares, 1950
*
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