A luz enigmática incidindo no mármore
as suas veias que correm
na inanimação da pedra.
Dão-me a beber
a luz estranha
***
tiago gomes
*
agora xa dis dói-dói.
a min, logo de caer no recreo,
botábanme líquidos escuros,
(sempre mestres de bigote).
é por iso que aprendín a berrarpupa
.
e xa ves:
choramos no mesmo idioma.
***
alicia fernandez
*
Se deita a cabeça fora na estrada
e vê se fi ca matéria por regurgitar,
verá se o deus está por baixo do mar
ainda disposto a expirar compracido,
quando as bocas da vaidade desta civilização
terminem de expelir o ciúme dos seus vómitos,
proferindo toda a bile e mesmo o próprio estómago.
seguram nas maos os olhos dos seus rostos extraidos,
uns olhos de neve e pregos sobre os dedos da lapidação
que ergueram a fronteira entre os corpos condenados
e fazem jurar bandeira como anjos aguerridos
–na língua que inocula com veleno a dissidência–,
aos amantes que bifurcam a sua vereda.
na margem direita de quem mira para o norte
a condenada recolhe os olhos e os pregos da tortura,
e sobre o muro contentor refulge a balaustrada da gorgona.
na margem esquerda de quem mira para o norte
um barco desamarra carregando a sua latitude
e nom sabe mais das outras margens.
as poças acumuláram verdeamarelas secreções
que cobrem os corpos nus pisados
pelos transeúntes que cospem sempre no chao.
o sangue coalhou guardado na gaveta
e dele nasceram vermes branquinhos e cavalos alados.
no mar, ainda, o deus que hiberna
será um dia compracido quando o gume cortar
a fúria na corda que afoga os cavalos brancos,
libertos da ira que detém as marés.
e este gigante erguerá sobre o oceano um látego,
sacudirá nas bestas de sal o brutal galope,
e correrão em árdua viagem na conquista da areia
a todas as praias do mundo,
à praia de normeraltha
***
laura branco
foz (lugo), 1984
*
Incenso de alfazema à venda na farmácia – aceso, acalma demônios. Pavios
queimam cravo e canela, canteiros de patchouli. Na prateleira a loucura das ervas,
atrás do balcão coração de venenos. Pétalas evitam colapso, floreiras exorcizam.
Girassol sofreguidão. Passiflora frigidez. Madressilva a ira. Jasmim o vício. Canção
de clareiras ecoam no subsolo, florestas revolvem-se em tubos de: caldeirões
pretéritos, caldo de bruxas eternas.
***
rosana piccolo
s. paulo, brasil
*
I
marechal – centro. vias de pelica
onde nossos pés acreditavam o poema.
nos mentia o lugar
que se falsava acontecimento
II
(era placenta seca o que pisávamos)
III
ruas fendidas, sondadas no enigma
que se nos desfaziam
– habitávamos em silêncio
no que hoje nos tecemos juntos
IV
renda expurgada de seu líquido,
sêmen oco que nos desalojava
gota-a-gota
V
(em você foi primeira a coragem de existir
para fora desse centro estéril, onde
– EM VERDADE –
o poema era acontecimento em nós)
VI
somos abortos, bia, desse ventre árido:
praças de areia, luminárias diáfanas,
escombros de casa – que desabitamos. existimos
VII
num lugar espaço
aberto entre
o abraço e o infinito
***
diogo cardoso
*
queria ser vento
queria ser água, sol
e flor
tudo que fosse
o que não sou
***
nydia bonetti
*
Eu, alguns centímetros longe da vírgula
(recurso antigo) amparo o longe:
o muro esburacado vai cair
e as doidas cicatrizes já se comem,
cheias de bolor, umas às outras.
De poeta em poeta, através de mim,
mudo o discurso para trás do barco;
vencido durante horas não me afundo,
este sítio o conheço d'algures
quando, sentado sobre o pão e as semanas,
o vocabulário hostil me provocava.
À procura de um regato, sempre a água,
na paisagem que me quadra à liberdade
de a pintar com os sons que tenho em casa.
Eis o que, em prosa e e frauta
me transporta até ontem a voz suspensa.
***
antónio barahona
*
umas coisas atrás de outras
fixou na parede a tabuleta e lê-se
proibida a afixação
quem plantou aquela nespereira sabia o que fazia
agora há mais pássaros atrás das nêsperas
muito para além dos frutos alguém
escreveu numa parede do cais do sodré
a fatinha tem sida
aviso enorme
de enormidade
e ali perto outra inscrição
num prédio do corpo santo
paredes brancas povo mudo
***
abel neves
*
semear tempestades
e assegurarar que cresçam
foi para isso que os poetas foram feitos
esgrimir com a mais idónea
das espadas: a coragem
foi para isso que os poetas foram feitos
namorar a perfeição
e às vezes alcançá-la
foi para isso que os poetas foram feitos
***
a. m. pires cabral
*
Em ausência de respiração absorvíamos ar com farinha
neve pura
as papas dos pobres de nós
(quando havia açúcar não havia café):
restos das cartilhas de racionamento metidos entre as mós do juízo
final
o linho da fome
tão branco
rodeava como um anel de Saturno as paredes do estômago
a fita dos chapéus de palha
e afeitos a morrer dia após dia
contemplávamos barro chícharos estrondos demolidores dentro
olhos como maletas nas que o mundo se dava por vencido
uma intuição de lágrimas escondidas nas rugas bimilenárias das anciãs
aturdidas e negras
como os seus vestidos de luto da idade do ferro.
Em ausência de amor
um saiote comido pela traça e pelo sol posto a secar na lareira
continha os últimos escritos de Simone de Beauvoir
e o aborto que matou nas profundezas do palheiro
a Benigna de Remígio.
Os seus lábios amorados que nunca vi
flutuam no meu pensamento
engancha-se-me o coração
querida toda
nunca correspondida
pasto da eternidade que não há
em ausência de amor.
Em ausência de História
escrevíamos em cadernos de lousa que se apagavam com cuspo
e voam formando círculos no observatório de Greenwich
pois em nenhum mapa aparece este nome venenoso
Vilarmao Vilarmao ao pé de nenhum santo padroeiro
na merda da diocese do nada
só há um pátio redondo
a elipse espiritual por onde saem os porcos do cortelho
e um tractor
Lu-Ve 34576 para delimitar o espaço.
Em ausência de Saber
a casa da professora jaz como um cadáver exposto à chuva
com as vigas tentando ainda sustentar a tabuada do três
um problema de aritmética que nunca resolvemos
mas há dias em que uma linha recta traçada num quadro negro antigo
resplandece na sua estrutura óssea
e todo o nosso pequeno mundo grunhe pobrezinho ele
como se rezasse um rosário digno da existência de Deus.
Em ausência de palavra
abundou-nos o berro denunciador que é a noite do mocho
em ausência de pão
em ausência de leite
em ausência de trigo
contra o dia cabrão que se erguia mais cedo que ninguém.
Em ausência de futuro
rangeram as rodas dos carros ou seriam acaso metáforas deterioradas
aves de mau agoiro que ostentam o poder.
O resto dos animais
vomitam sobre os prados
os restolhos de milho com que se criaram
em sinal de dó
sim porque em ausência de futuro
só há ausência
e talvez isto que digo:
Em ausência de ti
de tanto morder ervas para conter o espasmo
digo o teu nome até que a língua seque
e fico toda igual a ti antes e depois do tempo
fazendo a fotossíntese do amor
na vanguarda do nada
onde só se pode viver pintada como um monocromático verde
***
olga novo
*
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