O ritmo dos movimentos
o olhar soalheiro
É com ele que me alinho na marcha
com gigos ao alto das costas
Será talvez o que suspende a tecnologia
talhado para a prova dura
sob a erupção
Em exercício sensual
desgovernado assoma
à varanda das montanhas
Do balcão assiste
à labuta das mãos
Um fio de suor
escorre das órbitas.
***
marília miranda lopes
*
(in “Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
teu nome sobe cada manhã
aquece o mundo e põe-se
só no meu coração
sol no meu coração
Juan Gelman
Para Toño
A voz pré-natal lançou-se contra a macieira
e ecoou no valejo e nos meus dentes de leite.
Estatelou-se meu coração contra o milho-miúdo
e ainda te amo exactamente da mesma maneira
substância de mim
meu primo carnal
trinta anos depois.
Não importa que me leves tantos anos
sais e entras pela entrada do pátio como outrora
fazes-me um aceno para me oferecer um figo fazes-me
cócegas
apareces de súbito no dia da cozedura
e a mim incham-se-me as pequenas glândulas do amor
como a massa do molete pequeno
sentas-te à mesa diante da lareira
não importa que me leves tantos anos
pegas-me ao colo
como se te prendesse na palma da mão um meteorito
e faço-me crescer sozinha
sussurro ao meu esqueleto no escuro da noite fecha peço-lhe
leveda leveda:
quando for grande hei-de ser a tua noiva pequena.
Tinha três anos.
inventei a primeira canção para ti.
Ouviram-ma cantar os piscos de peito-ruivo
o incêndio ouviu-ma
cantei-a na raposeira
no campo no corredor da casa na horta
ouviram-ma o escaravelho e a traça
e não tive vergonha.
Não importa que me leves tantos anos
que ames outra
que já não nos vejamos
que não te lembres do que te cantava
pouco importa
ainda te amo exactamente da mesma maneira
meu primo carnal
nas minhas veias vives como um vendaval para sempre
porque não importa
inclusive
que tivesses morrido há anos
e não me desse tempo
a crescer o suficiente.
***
olga novo
*
[vertido por BlogNi]
as tardes de domingo, começam
sair de casa, como se fora para longe...
e voltar a ela, sem vontade de fazer nasa.
tenho o domingo no corpo
minha mãe prepara a feijoada com solas para o almoço
meu pai dorme na tarde para a semana inteira
e ressona alto
as vacas e seu cheiro entranham-se-me
minha mãe tira leite, mais cedo que o habitual
e adormeço num silêncio quente
gosto de não existir neste tempo
meu pai, abeira-se da minha mãe. todos quietos.
eu não entendo nada.
talvez, por isso, pereça
a poesia.
***
aurelino costa
*
pousei a miña boca na palma das túas mans
e dixen dáme alento preciso de saber
que aínda sigo vivo que van os días novos
camiño dos estíos levando un voo de noites
de tardes consteladas que habían de murchar
pois todo murcha e deixa sabor de hortensia escura
e dixen cando vén que hora está marcada
que prazo teño agora e como se presenta
e ti como unha sombra deixáchesme pousado
nun leito que se erguía que daba para o mar
e viñas a sentir que a vida andaba lenta
que a morte debuxaba camiños de penumbra
leváronme daquela por longos corredores
por páxinas que lera por fíos que deixei
vertendo dun novelo de líquidos e sombra
e souben que eran días caendo para atrás
reloxos que soaban a pan de trigo verde
a ponte inacabada
e díxenme dicíndoche que noite máis estraña
que tarde se nos fixo que lonxe fica o mar
que lástima de cuartos de hotel ensanguentado
quen limpa tantas horas caídas por aquí
quen enche con lixivia os baldes e as cisternas
***
manuel forcadela
*
quão subtil pode ser o espinho que sinto cravar-me os olhos,
a indelicadeza de uma não palavra no teu poema desesperado,
o pôr-do-sol derramado no longe a que te votas.
a subtileza é um gesto demorado,
como câmara lenta de uma imagem que nasce no centro das mãos,
estames que inspiram olfactos de terra,
ínfimas pétalas que se sobrepõem numa disputa da tua mirada.
mas não sou eu que me ofereço, são elas!
eu, serei subtil como o silêncio interior dos teus pensamentos
que te rondam nos segundos vagos
e te ocupam o desejo.
***
luisa azevedo
*
Pospolo bizitza daramazu
pospolo heriotza baten esperoan
Zuk zerorrek zeniostan
hiltzea baino latzagoa dela
ez jakitea zertarako bizi garen
Eta atzamar puntak erre dizkidazu
nahita edo nahi gabe
zeure burua erre duzunean
***
leire bilbao
*
Levas uma vida de fósforo
esperando uma morte de fósforo.
Tu próprio me dizias
que mais cruel que morrer
é viver sem saber para quê.
E me queimaste as polpas dos dedos
querendo ou sem querer
quando pegaste fogo a ti mesmo.
[trad: cas]
a partir da versão em castelhano
no 1986 tivemos que cavar unha tumba
para que nacera a nena azul
daquela eu aínda pensaba
que para que viñese unha
era necesario que marchara outra;
como un intercambio de humanas
que pasan dun mundo a outro
co sol batendo na figueira
dilatáronsenos as barrigas,
as das avoas por inercia
e a miña por imitación
alá polo mes de xullo,
azul abriu a boca para berrar
nun hospital de camas grandes
pero en lugar da voz
saíulle de dentro unha perla
con forma de estrela mariña
***
ledicia costas
*
é mais antigo o que vem da cinza dos incêndios
mapas que parecem mal desenhados propositadamente
contas dos ábacos trocadas umas pelas outras
discursos de navios de ouro destinados afinal ao
comércio dos naufrágios
e depois é isto a
discussão estéril sobre estratégias de combate
como se isto fosse uma guerra
como se as guerras não devessem resolver-se num
tempo anterior ao da deflagração
ao da ignição dos interesse
***
josé carlos barros
*
“A los momentos que rodaron eternos y desaparecieron…”
Libertad del existir
Las nubes alzan su vista,
nos dan su espalda oscura,
se alarga el pasto húmedo,
crea senderos el sol limpio,
y uno se baña en la belleza del primer amor…
Brillan las nubes hechas de gotas
de agua,
como ropa blanca en un tendal
después de llover…
Los olores nos recuerdan,
construyen nuestro rostro.
Jugamos a vernos desde lejos.
Ojala me vieras…
Se pasan solas las páginas
de lo que ves…
Viajamos….
casi sin movernos
***
jorge pascual blanco
*
Bébese o océano aos mortos,
un a un, como negros caramelos de miseria;
baleira no seu estómagoo cal dos ósos
que aínda non foi capaz de roubar a fame,
e a ninguén lle resulta estraña
a súa longa dixestión desmemoriada,
o seu empacho de quenlla caníbal,
o fúnebre obrar do seu intestino
cando devolve á praia
o resíduo máis mudo do silencio.
Quen pechou con chave o horizonte?
Quen teceu a forca das ondas?
Quen empuxou á mar o cayuco ou a patera?
Bébese o océano aos mortos,
os tritura con saña no seu corazón de sal,
os mastiga con dentes de xigante
e os reboza en biles inhumana.
E ninguén di nada.
E ninguén sabe nada.
E ninguén sente nada.
E o peor: Ninguén fai nada.
Bébese o océano aos mortos
e aquí seguimos todos, empeñados
en coser fronteiras de arame,
cavar tumbas sen lápida
e negar o paso á madrugada.
***
fernando luis pérez poza
*
adelia prado(5)
adilia lopes(8)
al berto(6)
alba mendez(4)
anxos romeo(4)
augusto gil(4)
aurelino costa(11)
baldo ramos(6)
carlos vinagre(13)
daniel maia - pinto rodrigues(4)
fatima vale(10)
gastão cruz(5)
jaime rocha(5)
joana espain(10)
jose afonso(5)
jose regio(4)
maite dono(5)
manolo pipas(6)
maria lado(6)
mia couto(8)
miguel torga(4)
nuno judice(8)
olga novo(17)
pedro mexia(5)
pedro tamen(4)
sophia mello breyner andressen(7)
sylvia beirute(11)
tiago araujo(5)
yolanda castaño(10)
leitores amigos
leituras minhas
leituras interrompidas