sussurrei palavras nos ouvidos do vento
para ecoarem nas velas dos barcos perdidos
diziam que engolir lâminas vermelhas não interfere na cor
e
ainda hoje
permanecem à deriva
***
bruno miguel resende
*
sempre quixen volver a 1990
para poñer a barriga ao aire
e pegarlles antenas aos insectos
no 1990
non existe o mal tempo
hai un sol que loita
e un invernadoiro grande
no que as mandrágoras
aprenderon a cantar
porque non aturan tanto berro
a min pásame igual:
adoro ás señoras que
camiñan en voz baixa
e a roupa silenciosa das trandeiras
porque cheira a auga de colonia
viaxar no tempo é esquecer
e escribir poesía
para non morrer de frío
***
ledicia costas
*
(De Xardín de Inverno. Everest 2012)
Meu doce amor dos três anos
vamos brincar aos índios sobre a erva da eira
a falar de Plutão que ainda era um planeta
as minhas pupilas são dois tambores na neve
a tua bola gira no espaço melhor que os meteoritos
passam os teus berlindes rugindo por veias coronárias
passam lágrimas rodando como berlindes azuis
quero ir dormir à toca dos grilos
quero ir contigo
meu amor dos dez anos
sou a menina que assistia ao enterro duma flor na tarde
a que dava o biberão aos cordeirinhos
em garrafas de estrela de Galicia
e aguardava que chegasses
como o melro pousado no último galho do dia
meu doce amor dos quinze anos
viste-me travestida de corvo descalça sobre montes de gelo
viste-me ceder como a madeira de buxo entre as lições de latim
entre equações de resultado incerto
entre raízes quadradas que davam flor no inverno
ainda me parece dormir enlaçada à tua apendicite
como uma magnólia da noite
meu doce amor dos vinte anos
vou pelo teu braço como pela clareira dum bosque
a campânula do tempo explode-me na cara
dou um salto mortal para me agarrar à vida
roubo lume nas hortas no canto de uvas negras
perdão se fiz mal perdão
de baixo das árvores que vão rumo ao subsolo
estou apreendida de memória pela mente de Dioscórides
classificada entre a lavanda e as plantas venenosas
se me vês fico cega
se me falas faz-se-me um eco na garganta
deito-me na tua cicatriz como uma gaze
tudo passa
meu doce amor dos trinta anos
vou pelo teu braço como por um braço de mar
à aventura
a minha vida é fruto do acaso
entre ruas de limoeiros e canelhas de chuva
entre megálitos absortos e lendas milenárias
sinto que me cantam em babilónia e bretanha
que a poldra do apocalipse me está esperando à porta
meu doce amor da idade do ferro
entre lanças e sentimentos campaniformes
o meu eu vai pelo teu braço como por um traço
inscrito numa tégula de bons augúrios
o meu amor vai pela tua mão
como o cão que é
meu doce amor dos trinta mil anos
o ar arranha
ulula nesta fissura
sinto que me cantam em babilónia e bretanha
que a poldra do apocalipse me está esperando à porta…
enquanto
o meu eu atónito
sobre um banco de peixes sentado
sente ainda talvez a candura
do doce amor dos três anos.
***
olga novo
*
[vertido por BlogNi, Poma Fidiró e Dria]
No pretérito éramos perfeitos.
O Espírito Santo – uma anguiforme mulher incandescente com imensos seios e vários braços com corações
: existências em libações de vinho e mel e afectuosas efervescências líquidas.
Sub-repticiamente dúbios necrotérios alojaram-se nos nossos prédios
e assédios de estranhas pombas brancas
substituíram o sinal do coração pelo sinal da cruz.
Então, inválido de nascença, invadiu o [crédito]. do relógio. das chaves. do carro. da casa. das cruzes de ouro. do ginásio. do crédito – o [crédito].
Imperfeitamente atávicos, voltámos a a-creditar
; alheios aos genes, aos anjos, ao carimbo das Plêiades, à fotossíntese, ao livre arbítrio.
E aprendemos, noutros imóveis, a rezar à medicina imperfeita, não raras vezes,
a [crédito].
Por vezes, porque se paga a pronto, alguns vão às cartas, em vez de irem às putas, mas o Tarot (com todo o respeito) nem sempre nos alcança ou nós a ele…
Mas, que Buda é um jacto de endorfinas, é.
***
suzana guimaraens
*
Uma casa sobre o mar
Uma esmola de rubi
- Minha mãe me vai buscar
Tudo aquilo que esqueci
Uma casa sobre a terra
O salário só de um mês
- Minha mãe nas mãos me leva
A ternura que me fez
Uma casa sobre o vento
Um tesouro de maçã
- Minha mãe traz porta dentro
O caroço de amanhã
***
pedro ludgero
*
sussurrei palavras nos ouvidos do vento
para ecoarem nas velas dos barcos perdidos
diziam que engolir lâminas vermelhas não interfere na cor
e
ainda hoje
permanecem à deriva
***
bruno miguel resende
*
A Leonor continua descalça
o que sempre lhe deu certa graça.
Pelo menos não cheira a chulé
e tem nuvem de pó sobre o pé.
Digam lá se as madames do Alvor
são tão lindas como esta Leonor.
Um filhito ranhoso na mão,
uma ideia j´podre no pão.
Meia dúzia de sonhos partidos,
a seus pés, como cacos de vidros.
Digam lá se as madames do Alvor
são tão lindas como esta Leonor.
***
antónio cabral
*
a polpa dos bosques anegados sempre é aceda, logo será orballo e cuspe, embaza os muros das fiestras, estona a noite dos espellos acáticos, somerxe os sentidos antes de botar con xustiza as bolsas no lixo, inda quedaron mazás para hoxe, encarnadas nas fazulas apegadas por dentro do cristal, fiquei fóra sen chave, à intemperie, miúdo
***
x. m. vila ribadomar
*
así doe novembro
así doen as moas apretadas contra ti, coma un barco,
unha traxedia para un pobo,
ou o recordo dun membro fantasma. doe
porque non te das ido aínda que marcharas,
e non hai bálsamos para o baleiro dun amputado.
nin sequera doses xustificadas de codeína
contestan as miñas mensaxes.
nunca preguntas.
por min. nunca preguntas por min.
así doe a praia na que nos coñecemos.
toda ela cábeme espesa nos petos do abrigo
e entérranse as mans entre as cunchiñas, facéndome cortes.
sabes que sangro polas mañáns?
pequenos cortes invisibles que deixou todo o que vén despois da marea.
así doe novembro,
e máis.
inmenso.
onde o mar rompe contra as rochas
novembro doe inmenso.
ali é onde máis manca
que non che sexa
nin sequera un recordo.
***
maria lado
*
de Nove". María Lado. Edicións Fervenza, 2008.
Yeux d’ abyme: brûlants de gloire et d’angoisse-c’est bien vous qui m’aimez? Os ollos da terra observan todo atentamente-Antoine-con brutal e desmedido amor. Coñecen a usura: pan de papel e vellos bebés belicosos. Toman diente de león para olvidar. E calan meu ben: mon homme du bois: bûcheron radioactif que recolles mortos coma quen apaña patacas. Búfalo e resistente. Fodiendo puteos. Mais il n’y a que de terribles morceaux d’amour et tristesse: crueis e ludre por todas partes e cavernas e porcas hienas de satin e bravos cordeiros azuzando a lumieira por detrás. Infames podres hidras hidráulicas sobre los dioses de Pound flotan en el aire azur. Queiman todo: arrasan la tierra y sus gentes. Pero tu teis algo para min: un cesto de amor e de xustiza. Y no sabes cuánto te lo agradezco.
***
rosa enríquez
*
de Desobediencia (Q de Vian cadernos, A Porta Verde, 2011)
o maço do mundo
fendido
em março piais
***
alberto augusto miranda
*
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