Sexta-feira, 21 de Dezembro de 2012
o pulmão da maçã


A fonte de toda a respiração escura

a última terminação nervosa

electriza este dom insolente

da escrita

estás

aí?

 

Deixo-me atrás

e na fuga

o estrume abandona o seu cheiro

nas vielas da história

andamos todos espavoridos

procurando

para comer

o coração eterno

do antropólogo.

 

Que se apiede de ti a sombra

que o tumulto da ruína não te desvele o sentido

e o ácido que expulsa a descalcificação da aldeia

não alcance os teus poros por deus a tua porta

a dor bombeada a partir do pulmão da maçã.

 

Sou

agora

o que sempre sonhei:

um trapo negro

posto a secar

no silvado de entreosventos.

 

Todo aquele que me vê

vê o espectro duma fruta em trânsito

entre o sistema da flor e o da mulher madura.

Escolhi

o caminho instintivo da semente

o tímpano negríssimo do corvo

a tua depredação

 

E assim

 

Avanço neste futuro

rumo ao primeiro organismo que me viu

e chorou com a emoção

de um artrópode pequeno e solitário.

 

Um cão acaba o dia  o seu último osso   o cúbito da meia-noite

e eu

que não sou nada

sobrevivo apenas

à custa

dos teus braços.

E assim compreendo

a mistura de sangue e de ar

que me faz funcionar como a perfeita estrutura da linfa:

 

o pulmão da maçã

a origem da vida.

 

***

 

olga novo

 

*

 

[trad: alberto augusto miranda]


lido em: partes de Cratera

publicado por carlossilva às 00:24
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Quinta-feira, 20 de Dezembro de 2012
olhos cinza


quando uma noite as mãos lhe roçaram a pele,

ainda se guardava para aquele
que se fora num dia incerto,
um dia como alguns na vida
que, em vez de início, são o incrédulo final
com o nome vulgar de desespero e, menos
comum, de solitários olhos cinza
tão fielmente tristes,
como se ele, voltando do passado,
pudesse estar ali a vê-la abraçar-se a outro,
o corpo manequim de gelo elanguescendo aos poucos.

 

***

 

nuno dempster

 

*


lido em: http://asfolhasardem.wordpress.com/2009/02/08/novos-poetas-3

publicado por carlossilva às 11:25
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Quarta-feira, 19 de Dezembro de 2012
com paixão e hipocondria

 

Confortamo-nos com histórias laterais,
evitamos o toque, há risco de contágio;
por mais que preservemos a franqueza
passou o estágio já da frontal alegria:
estamos bem, obrigada, embora aquém
de antes – entretanto admitimos não
saber, e enquanto resta isto indefinido,
mesmo com luvas, pinças de parafina,
não sondamos mais, sob pena de crescer
um quisto nesse incisivo sítio onde
achámos sem tacto que menos doía

 

***

 

margarida vale gato

 

*

 

[in Mulher ao Mar, Mariposa Azual, 2010]


lido em: http://bibliotecariodebabel.com/geral/quatro-poemas-de-marga

publicado por carlossilva às 01:25
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Segunda-feira, 17 de Dezembro de 2012
paral-lel

 

Infantiles, igual

que a la hora del recreo,

africanos, asiáticos, latinos,

europeos a prisa

se nos ve,

vamos saliendo.

 

Compartimos desquites

y tickets, clamando, al fin

es viernes.

 

Se divierte el alcohol.

Tienen pis las esquinas.

 

Viejos adolescentes

y jóvenes expertos.

 

Por una vez, el metro

parece un carrusel.

 

Ha subido Dionisos

y Apolo es un teatro.

 

***

 

jorge díaz martinez

 

*


lido em: http://www.culturamas.es/blog/2012/11/07/transbordo-poemas-d

publicado por carlossilva às 08:12
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Domingo, 16 de Dezembro de 2012
cidade

 

O livro em viés para o raio de sol, a nódoa
na mesa de jantar. 0 marido
que pende estrangulado do telhado, a viola
que tange nas mãos do pensador, o brilho
na carne maltratada da vizinha, o garfo
que pica o prato azul e branco. O nó
que aperta todas as janelas, a secretária coxa
que olha em volta, o alfinete
de ama no bulício das seis horas, o tambor
nas mãos do tarata triunfante, a mescla
de céus entre os telhados, o copo
de espaços entre os bares ao fim da noite, a serpentina
de céus entre os telhados, o copo
de espaços entre os bares ao fim da noite, a serpentina
errante, o cavalo que passa, o navio sequioso
de manhã, a mala de viagem, a dança
à roda da garagem, a luz violeta
de certos cemitérios, o cigarro sem filtro
abandonado, o castanho sem nome. Por motivo de obras,
volto já, estarei de regresso. Ninguém
sabe onde está a campainha e o jornal, a esposa por dentro
do casaco, o santo na catedral, o cão
perdido para sempre, o grito pela rádio.

 

***

 

isabel cristina pires

 

*


lido em: http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/ipires.htm

publicado por carlossilva às 12:52
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Sábado, 15 de Dezembro de 2012
rigor mortis

 

Yo vi a un hombre morir.
Vi en qué momento ocurrió:
dulce y sin drama,
como el llanto de un recién nacido.
Diría que fue hermoso.

 

En la guerra se quedó sordo de un oído
y yo le gritaba para saber si morir era
eso. Me pareció muy poca cosa.

 

Fuera de la habitación oía silencios y llantos
pero yo debía quedarme allí,
sin llorar. Prometí encargarme de todo.

 

Me acerqué a su aliento como nunca antes
imaginé hacer. Impúdicamente respiré su calor,
su olor a colonia caliente.
Parecía un amante besándolo.

 

Intenté cerrar sus párpados.
No murió con los ojos cerrados.
Nos han engañado: la muerte nos coge
con los ojos abiertos.
Sus párpados eran rígidos,
como pestañas de metacrilato,
como los ojos de mis muñecas
cuando morían en mi propia cama.
Mis muñecas tenían novios, hermanos, bebés,
y también morían. Las muñecas de mis amigas
nunca morían en sus camas.

 

Yo le arreglé la sábana, el pelo, la posición de su cabeza.
y plegué sus brazos sobre el esternón. Correctamente.
Era un muñeco gigante: aún se dejaba hacer.

 

Fue un leve tejido.

 

La muerte rozó apenas
su pequeño corazón.

 

***

 

eva vaz

 

*

 

 

RIGOR MORTIS



Vi um homem morrer.
Vi em que momento ocorreu:
suave e sem drama,
como o choro de um recém nascido.
Diria que foi bonito.


Na guerra ficou surdo de um ouvido
e eu gritava para saber se morrer era
isso. Pareceu-me muito pouca coisa.


Fora do quarto ouvia silêncios e prantos
mas tinha que ficar ali,
sem chorar. Prometi tratar de tudo.


Aproximei-me do seu alento como nunca antes
imaginei fazer. Impudicamente respirei seu calor,
seu odor a perfume quente.
Parecia um amante beijando-o.


Tentei fechar suas pálpebras.
Não morreu com os olhos fechados.
Enganaram-nos: a morte apanha-nos
com os olhos abertos.
As pálpebras estavam rígidas,
como pestanas de acrílico,
como os olhos das minhas bonecas
quando morriam na minha própria cama.
Minhas bonecas tinham noivos, irmãos, bebés,
e também morriam. As bonecas das minhas amigas
nunca morriam nas suas camas.


Arranjei-lhe o lençol, o cabelo, a posição da cabeça.
e cruzei-lhe os braços sobre o peito. Correctamente.
Era um boneco gigante: ainda se deixava mexer.


Foi um leve tecido.


A morte apenas roçou
seu pequeno coração.

 

[trad: cas]


lido em: http://minombre.es/joseluispiquero/2009/04/20/un-poema-de-ev
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publicado por carlossilva às 15:26
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Sexta-feira, 14 de Dezembro de 2012
a casa silencia as palavras

 

A casa silencia as palavras.

As palavras são abafadas

pelo peso, pelo ar, pelo silêncio,

da casa.

 

A mulher estremece, procura a

clara exposição. Só o silêncio

responde. Densa

a luz explode. Num grito

quebra todas as janelas.

 

A Mulher brilha com o som.

As palavras, já silenciadas.

 

 

***

 

conceição paulino

 

beja, 1945

 

*


lido em: Falar Mulher

publicado por carlossilva às 13:04
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Quinta-feira, 13 de Dezembro de 2012
paisagens da mesma solidão

 

Ninguém me disse, um dia,
No escuro
Que há palavras que são sítios por dentro.

Ninguém me disse, um dia,
Que há noites que são quase lugares.
Paisagens da mesmo solidão,
Plena de outros lados:
As lágrimas principais.

Como ruas assim,
Que se existissem de tanto silêncio,
Seriam planícies de mais frias
E despovoadas,
Morrendo com tanta força que nunca
Se encontrariam no mesmo medo.

Porque no silêncio,
Há sempre o perigo de palavras às escuras

(onde tenho todas as ruas do mundo
À minha espera)


***


duarte temtem


*


lido em: http://casadospoetas.blogs.sapo.pt/47035.html

publicado por carlossilva às 11:19
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Quarta-feira, 12 de Dezembro de 2012
interior

 

A menudo converso con mis sueños.

Los invito a salirse de la noche

y se sientan, con trajes neblinosos,

junto a mi mesa sucia de papeles.

y les pregunto sobre su sintaxis

porque se ofenden si hablo de semántica.

Hoy he recuperado de sus manos

un fragmento de ti tan exquisito .

como una noche de junio en Gil de Biedma,

un otoño de Keats o aquel sabor a polo de naranja

de las viejas mañanas de domingo.

 

***

 

aurora luque

 

*

 

interior

 

A miúde converso com meus sonhos.

Convido-os a saírem da noite

e se sentam, com trajes neblinosos,

junto a minha mesa suja de papéis.

e lhes pergunto sobre sua sintaxe

porque se ofendem se falo de semântica.

Hoje recuperei de suas mãos

um fragmento de ti tão esquisito .

como uma noite de junho em Gil de Biedma,

um outono de Keats ou aquele sabor a pólo de laranja

das velhas manhãs de domingo.


*

[trad: cas]


lido em: http://www.poetasandaluces.com/poema.asp?idPoema=2928

publicado por carlossilva às 08:01
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Terça-feira, 11 de Dezembro de 2012
la fuga

 

Pierde la casa,
salte del cauce,
llena los bolsillos de huidas,
mira pasar por ventanillas
tu cuenta pendiente de paisajes intocados.

 

Encuentra, de madrugada,
el grito interior de lo distante;
o de tarde,
la bola de lodo en el costado:
acumulación malsana de familias ovilladas
que te dieron en uso sus nombres,
ahora gastados, errantes.

 

Márchate hasta el hastío, sangre mía.
No quieras pisar el pueblo fértil que te llama a su memoria
sólo hasta perderte más,
perderte mejor donde prefieras:
en el océano de gracias deslumbrantes y profundas,
en el desierto aletargado y equidistante de casa,
en la montaña fecunda donde se multiplican los caminos.

 

Pisa aquí y allí hasta agonizar.
Vuelve a partir cuando te tomen por loca
e intenten enviarte en barco a otro puerto
o te traten como mercancía que se pierde en los bazares
de quien nadie sabe de dónde su brillo o su avería.

 

Entre tanto, estará tu pueblo fértil
creciendo abundante y al barbecho,
esperando ver florecer tu vara

y tu hacer

 

***

 

angye gaona

 

*

 

a fuga

 

Perde a casa,
salta do leito,
enche os bolsos de fugas,
vê passar pelas postigos
tua conta pendente de paisagens intocadas.

Encontra, de madrugada,
o grito interior do distante;
ou de tarde,
a bola de lodo nas costas:
acumulação insana de famílias enoveladas
que te puseram seus nomes,
agora gastos, errantes.

Vai até à exaustão, sangue meu.
Não queiras pisar o povo fértil que te chama à memória
só para perder-te mais,
perder-te melhor onde prefiras:
no oceano de graças deslumbrantes e profundas,
no  deserto letárgico e equidistante de casa,
na montanha fecunda onde se multiplicam os caminhos.

Pisa aqui e ali até agonizar.
Volta a partir quando te tomem por louca
e tentem enviar-te de barco para outro porto
ou te tratem como mercadoria que se perde nos bazares
de quem ninguém sabe onde está seu brilho ou dano.

Entretanto, estará teu povo fértil
crescendo abundante e ao pousio,
esperando ver florescer o teu ramo
e teu fazer

 

*

 

[trad: cas]



lido em: http://www.festivaldepoesiademedellin.org/pub.php/es/Revista

publicado por carlossilva às 08:50
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