Indago a forma definitiva do outono.
Um diálogo pode mudar a paisagem.
Fazer nascer um poema.
Criar obsessões.
Destruir emboscadas.
Cada instante é a metamorfose
de uma asfixia interior.
Confundo os caracteres e um imaginário
se revela numa iconografia fantástica.
Nas entrelinhas, um espectáculo de ironias
reitera entregas e recusas
como um dever por cumprir.
***
graça pires
*
Ignorar não é esquecer, esquecimento não é ignorância, como cheiro não é fragrância.
Massa frutada de ar-livre é o corpo almado daquel’além arvoredo a prazo da eternidade.
Sem psiquiatrias vãs, faço (assumo) a despesa do instante, que ou é agora ou vai-t’imbora.
A golpe seco, recebo separação e devolução: faço por entender notarialmente as doações, as coacções, os abusos, os azares da fortuna.
E então?
Cai a pique a época ciclística, sabemos que o calor serôdio apodrecerá de gelo à primeira oportunidade – mas por enquanto não.
Inversa piscina que às aves torna peixes, o céu é grande como uma popularidade inesperada.
Retiros estivais zonam ilhéus familiares.
Embatem-se percursos, nacionalizam-se cabeças, mudam-se diversões, concorrem-se laivos pérfidos, procuram-se corpos desavindos de outros.
A edição da tarde transporta pacotes de chá, açúcar amarelo, presilhas de pantalonas senhoris.
É o que faz refrescar o anis.
***
daniel abrunheiro
*
I
en dónde guardo el miedo
me siento fuerte
a salvo
en qué sitio navego
qué me dará risa o llanto
sino tu cuerpo
sembrador del mundo
II
empiezo con las estaciones
abre el verano: tu cuerpo
III
tus ojos hojas de una higuera
el cristalino en su estanque tiembla
***
claudia luna fuentes
*
(de Ruido de hormigas)
"Numa casa muito estranha
toda feita de chocolate
vivia uma bruxa castanha
que adorava o disparate.
Punha os copos no fogão
as panelas na banheira
os sapatos nas gavetas
as meias na frigideira;
escrevia com fios de água
dormia sempre de pé
cozinhava numa cama
e comia no bidé.
Varria a casa com garfos
limpava o pó com farinha
deitava cem gatos na sala
e dormia na cozinha."
***
antónio mota
*
Andar por los bordes de esta hoja
sin apuntar el paso hacia su centro
Desarmada
Planeo la estrategia para mi avance:
Sitiar la palabra
Replegarla y cercarla
en ese espacio,
ahora supeditado al silencio
Tomo el lápiz
pero, como una espada,
ahuyenta el verbo posible
Sus flancos se dispersan
y vuelvo a andar por los bordes
masticando esta nueva derrota
***
américa martinez ferrer
*
Traballadas polo vento, polas pingas d’ auga
chegadas do ceo e do mar salgado,
dunha chuvia fecheira, omnipresente,
as pedras viven unha modificación constante :
medran, minguan, mudan,
estoupan en minúsculos fragmentos.
Hai eóns de tempo foron fluído magmático,
ríos de lava fría, espellos de obsidiana,
precipitando en deseños de cores magníficos,
cristalizando en particulas coloidais,
facendo do brando duro, en alquimia perfecta.
Pedra sobre pedra, como castelo encantado.
O Pindo, querido gonfalón de rocha dura,
foi un día materia en suspensión,
baluarte sagrado de guerreiros afoutos,
refuxio de aves preeiras e cabras aristotélicas,
de andares pausados e ruminar constante;
campo de orquídeas e flores de coral,
fondo mariño e seixos de cristal,
camposanto de fuxidos e caracois ancestrais
guía de mariños ventureiros e de toda a xente do mar.
O día que me aprenderan que as pedras teñen vida
foi unha grande descuberta existencial :
O Pindo era vida en suspensión!
***
xavier queipo
*
O acto de ler reabre feridas. Nos livros
em que isso acontece, com frequência,
poderia ao menos haver um aviso na capa;
assim como se faz com as carteiras de tabaco,
embora se saiba que poucos deixam
de fumar
por isso.
***
teresa jardim
*
como a mulher me derrama
sob as bençãos do meio dia.
Vejo teu quadro, Georgina,
é verão, estamos sós,
logo mais, a tarde
também cairá sobre mim.
Podemos falar
de ausência à ausência.
Até que teus visitantes,
com seus olhos desprezados pelo mundo,
me encontrem aqui
entre teus cabelos?
na vaporosidade do vestido?
É o modo como o teu corpo afasta
o tecido, o que te veste.
A duração da cor
movimenta o teu nome
entre a flor e o suor,
minha solidão.
***
roberta tostes daniel
*
Proclamo um código alternativo:
alheio às palavras,
uma linguagem sem frases,
uma língua que não possa ser condenada à memória,
uma prosa para enganar promessas,
um dialecto mudo sem
listas de preços ou formas de denúncia,
uma fonte gratuita de significados ambíguos,
um modo de expressar tudo quanto não pode ser expresso.
***
miren agur meabe
*
[trad: amaia gabantxo]
agora mesmo
és
um cisne.
os teus lagos são jardins do Nada
há pássaros infinitos à revelia e
cultivas laranjas em varandas
de fogo
secretos vasos
desço então pelas tuas asas
de lágrimas:
de
neve
e
ouro
depois nada mais faço
que as lágrimas levantem vôo
da tua
infinita
face
***
maria azenha
*
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