O que temos?
nós que, não sobrevivemos,
mas vivemos do dilúvio.
no espelho verde-irônico, contra o sol vermelho,
a arca descomunal e seu capitão:
cabra-velha parida não sei onde
cara de anjo pinto de marmanjo
a mula que cagava dinheiro
na mão direita uma pomba,
na mão esquerda um corvo e a letra B
e os 7 pares de bactérias homicidas.
deus, alá, satã ou jeová
quem criou a desmesura deste leviatã?
***
daniel faria
*
1.
espera. há algo a ser dito. os olhos buscam
fragmentos denegados de nada
no esmeril da pele
2.
estreita. rede de fiandeiras. mãos
que procuram
recifes. tridentes. o mar que trina
é quase
um pássaro
3.
estanque. o fluxo dos papiros. há begônias
lá fora. recrudesce o olhar
o céu real
é azul
4.
reconhece. na tessitura dos pianos. há vozes
vulcânicas
à espera do vento
5.
recua. se te parece longo o ofício. se o fardo
te curva
pauta. a tua vida pela tua crença
e segue. não há atalhos
6.
resiste.
***
nydia bonetti
piracaia - são paulo, 1958
*
Ela tem o corpo levemente inclinado
acompanhando, também com a cabeça,
a bela doçura do olhar que a tarde continua
e que mistura, ao rumor da alegria,
para cujo lado o rosto se inclina,
a sombra já, como conjura, de uma
quase visível nostalgia;
nele há um pouco mais de desajuste,
de susto, corpo grande e no entanto pueril,
no fruste meneio das mãos atrapalhadas,
aos atoleiros da vida desatreito, cerrado,
viverá entre caçadas e cães
e morrerá na Ria
***
maria andresen de sousa
*
Alice não tem mais tempo Senta no chão
e chora Suas lentes estão gastas desde que o Outono
desfez-se como um pesar sobre a natureza Ela
não tem mais tempo e mesmo assim gostaria
de ouvir o rugido que vem das estrelas ou
do espaço entre elas ou não se sabe de que
nenhures vem este rumor que se confunde com a cidade
trincando suas engrenagens enquanto
as galáxias se afastam com ela no centro
sem endereço fixo vendo as estrelas indo embora
como efeitos locais de tanta espera e inventando
teorias pinçadas do se que observa nos escombros
de ser quem é Alice não tem mais tempo Ela
permanece olhando o passado em estilhaços
que são espelhos que fogem com as galáxias
pra dentro de si mesmos apagando pistas Ela
senta no chão e chora cada descoberta como
o acidente de estar no centro e só enquanto
as luzes se afastam antes que se pudesse definir
de onde vem a sua urgência Ela não tem mais tempo
e os pombos não podem mais voar Não podem mais
levar nenhuma carta
***
nuno rau
*
Me he propuesto jugar a la vida de pueblo.
Comprar naranjas al señor de la esquina
-este juego sólo es factible en mi barrio,
un ex-pueblo-
rastrear el sosiego en las callejuelas lindantes
a la iglesia, y encontrar algún perro dormitando
en el empedrado;
contemplarlo,
sin sentir premura por llegar a ningún sitio,
sin pretender destilar el tiempo.
Después quisiera que vengas donde estoy
con la única pista que pudiera sugerirte
la luz del día,
sin otros mensajes que no sean certezas,
la de saber tomar el camino hacia mi casa
y luego dejar caer tu mano
sobre mi puerta.
***
julieta viñas arjona
*
A vida ficou dobrada
dentro do livro de cabeceira
como folha sem raiz.
O tempo apagou os meninos
que não puderam crescer
e se espalharam em sótãos e porões
se empoeiraram de luz.
Um horizonte de céus rompidos
destramou as linhas da mão.
***
luciana marinho
recife (brasil)
*
escrevo como quem quer ser escrito
uma árvore ou uma pena no centro da frase
um espelho branco onde observo a palavra
e dos seus troncos brotam folhas, letras
inundações de verde no lago azul do céu
que caem, voando, asas de papel
como tu, também eu sussurro
lentas sílabas à leve melancolia que nos abraça
***
jorge reis-sá
*
A linha concisa, a seta.
A lâmina das vagas que
rasgam a esfera. Perscrute
e meça.
Sobre o rastro do
oriente. Deriva
o vazio sem lume.
Acenda-lhe um nome.
No calor das anêmonas
sulcando as artérias
do atlântico. Desfralde
da nave, a vela, inflame.
E quando Os signos
despencarem dos
pomares abissais.
Oferte o poema.
lastro de vendavais.
***
jonatas onofre
paulista (brasil)
*
1.
se encontró con el sol
adentro de una taza,
un mensaje cifrado
referente a un trayecto,
el barco anclado a la tormenta,
imágenes de un mar hecho de espigas
aquellas impurezas
que sostienen el blanco
como algo que es creíble,
una estrella minúscula cargaba con el mundo
donde ese lugar cálido
al que volver por siempre
las palabras de tinta
tan llenas de silencios,
pero se encontró el sol
adentro de una taza
y tuvo que emprender este viaje
2.
había tantas formas
de ganarle al tiempo
la niña azul temblaba
desnuda en la nevera
con gritos de hojalata
pinceles por si acaso
caballos blancos
caballos blancos
una bata manchada
por los cuentos de hadas
ciudades blancas
ciudades blancas
y luego un muro
3.
no abandones el cauce de este río
y siempre estarás yendo a alguna parte
hablarán los miedos de cada uno
cuando llegues:
un personaje nuevo en la obra de siempre
pase usted, tome asiento, acomódese
al principio el paisaje será hermoso y tranquilo
poco a poco irás viendo las trampas y las grietas
y te enfadarás mucho contigo mismo
tratarás de cambiarte de traje o de vestido
y tu corte de pelo te parecerá horrible,
intentarás arreglarlo
pero una niña azul desnuda
saltará sin cesar de un lado al otro
dentro de la casa y no te dejará
ver que llega mañana,
un día, y otro día, y otro
días blancos
4.
luego un hambre ya vieja
que nunca sacia nada,
llorará usted
como el resto lloramos cuando vemos
las flores serán pronto
servilletas gastadas
y la vida
una broma que nadie entiende
5.
por qué la niña azul ahora está tan quieta
por qué su desnudez tiene un nombre distinto
por qué nadie la oyó cuando advertía:
sigan andando, damas y caballeros, no puedo
mantenerme siempre alerta
6.
sacaron de la tinta éste silencio
un loro de colores repetía tu nombre
como un martillo
la niebla en las palabras
provocaba accidentes
pero nadie se hacía responsable de nada
“y son cosas que pasan”, “yo no he sido”
el loro repetía tu nombre como un rezo
y no había lugares comunes
¿eso es bueno?
7.
y luego del “the end”
comenzaba otro pase,
como siempre
***
isabel garcia mellado
*
Na poltrona, desperto. Os ruídos
soprando grandes triângulos.
Pirâmides. Cilindros. Em
filas de cinema vislumbrei os pesados volumes
da terra sem lei. No Odeon as mímicas automáticas
de luminosas tesouras de titânio, cortando os tickets
amarelos. As musas sob a pesada lona
exaltavam Wagner e as danças de mãos juntas.
As musas não se entendiam. Forçavam a trilha sonora
nos narizes. Nas testas. Onde assinavam as cifras
e o roteiro da obra-prima. Na poltrona, sabia ser Gigante
e subtrair espíritos em pequenos grunhidos. Era permitido
obter a glória na cabeça do vilão. As palavras flexíveis
viriam das bocas das ninfetas e bem antes das letrinhas.
Porque as musas são de bronze. Porque o céu é de couro.
E depois, porque o depois é fim, na última nota do violino e
no último crédito de figurante, todas as películas do sonho
se tornam urna una e imensa gota corporal
fugindo de olhos entreabertos.
***
gabriel resende santos
rio de janeiro (brasil)
*
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