recordo o olho de boi - trespassado - por uma lâmina - de ar -
o grito - a pedra do inacessível - os mapas do incomensurável -
voz hebreia - pão ázimo - entre a noite - o tremor irrevogável -
sobre a luz obtusa - em teu flanco - a pedra - incêndio exacto -
RETINA DO ESPESSO
transpor a retina do espesso - o gueto - tácita palavra do deserto -
ser o foragido da inconsistência - manter-me na órbitra do infindo -
reter a pedra - para inquirir - transpor o pecúlio - baú do mantimento -
***
alexandre teixeira mendes
*
La ville résidait dans nos yeux
possédait chacun d'entre nous
nous n'y trouvions pas à redire
nous la logions elle nous hantait
le sommeil restait à sa porte
et ses lumières faisaient briller
ce que les autres prenaient souvent
pour une passion ou de la fièvre
nous l'abritions sous nos paupières
émus fanfarons et contents
et pour tout dire nous nous flattions
qu'elle nous habite pour pas un rond
et quand nous reprenions la route
transis fourbus mais pleins de force
c'est là dehors précisément
qu'elle s'acquittait de son loyer.
***
anna de sandre
*
A cidade residia nos nossos olhos
possuía cada um de nós
não lhe encontrávamos defeitos
nós habitávamo-la ela nos perseguia
o sono descansava à sua porta
e suas luzes faziam brilhar
o que os outros frequentemente tomavam
por uma paixão ou uma febre
nós abrigávamo-la sob nossas pálpebras
comovidos fanfarrões e contentes
e francamente nos orgulhávamos
de que nos habitasse por uma rodada
e quando retomávamos a estrada
transidos exaustos mas cheios de força
era lá fora precisamente
que ela cumpria o seu aluguer.
*
[trad: cas]
Me prometo a diario descuidarte
pues me corre el pesar por cuenta ajena
tan extensa trinchera abrió esta pena
que muero porque vivo para amarte.
Tu piel es la membrana de una estrella
no te logro alcanzar por más que intento
se multiplica el ansia del momento
y malvendo mi ardor en la querella.
Tan caras tus caricias por goteo
agridulce suplicio de mi antojo
tan lejano tu puerto a mi deseo
tan vuelva usted mañana, trampantojo.
Alíviame esta cruz, mi cirineo
o firma del afán mi desalojo.
***
raquel lanseros
*
Fogo mutilado
Prometo cada dia descuidar-te
pois corre-me o pesar por conta alheia
tão extensa trincheira abriu esta pena
que morro porque vivo para amar-te.
Tua pele é a membrana de uma estrela
não consigo alcançar-te por mais que tente
multiplica-se a ânsia do momento
e desperdiço meu ardor na querela.
Tão caras tuas carícias por gotejo
agridoce suplicio de meu capricho
tão distante o teu porto do meu desejo
tão volte amanhã, ilusão.
Alivia-me esta cruz, meu cireneu
ou assina do afã o meu despejo.
*
[trad: cas]
Antes de me afastar demasiado de mim
Apurei-nos, em toda a geistória, este momento
: as pétalas sacrificiais de Santa Teresinha, a água com sal para os pés.
Incensários volatilizam o verso sesquipedal
Em heréticas viagens iconoclastas e cristalinos vómitos de alma&lama.
As fontes? A autobiografia de setenta e dois anjos, nove livros perdidos da Lemuria e da
Atlântida, cem queimados da Alexandria e da Inquisição,
Dez que ainda não se escreveram, doze que jamais saberei.
Heterodoxas paráfrases de amor e medo, parábases hardcorïf
Amalgamadas locuções desensarilhantes, metáforas metabolizantes
Atónitas tautologias ab aeternum, catóptricas sub-atómicas fórmulas de porvir
(de quem vive no meio sem estar em pré-determinada direcção)
Fátima desvendada intra-molecularmente e o diabo uma fada inter-galáctica
Premissas pseudo-parabolóides, diasporizantes, emigrantes de mim
Metamorfoses sonambúlicas, teorias do caos e súbitas cosmogonias
Subtis pitadas da minha própria cinza
- da mão, do abraço, do UM BIG O
; porque já soube a minha idade; porque sinto a dor, mas não a sou
;porque estou e não estou
Serôdias análises combinatórias: AAM MAA AMA MMA…
Uploads via oral, turbinas de deslembranças, ternas voragens.
E a haver culpa deste apetite, é da policromia dos meus irmãos de [ser]
Das tascas e dos restaurantes fusion gourmet onde me levam
- juntos somos “a escada em espiral que se afunda e se eleva”
A confluência de [três rios], incertos mundos paralelos
A faculdade de descrever o oximoro, todas as Faculdades
Nascentes de promessas que curam e que matam.
Nós e o Silêncio
Inervados no circuito micromacrocósmico, incubadoras de nada e tudo
Transportamos a babel heptagonal na metodologia do Infinito.
Os pés que continuem imersos. Talvez estejamos na iminência de algo:
***
suzana guimaraens
*
abro os braços para as cinzentas alamedas do cárcere
e como escrava vou medindo o vacilante silêncio das flâmulas
dentro do ventre da voz contida sento-me enquanto descanso
com o mono mais barato da família sagrada entre os pés
à passagem da lâmina pela superfície do abandono
escorrem fios do meu sangue sobre as costas do dogma
eis a maravilha reposta ao volante dos lábios
circulam-me pelas artérias todos os milagres do universo
***
fátima vale
*
o meu corpo parece um cão deitado.
às vezes penso que outro cão se aproxima de mim,
para me cheirar ou lamber,
mas nunca acontece.
às vezes são os homens que se aproximam.
são cinco e estão nus,
mas mal sentem o cheiro viram costas,
na pele, como se gravado a ferro em brasas,
um tem escrito o,
outro tem escrito meu,
outro tem escrito corpo,
outro tem escrito no,
outro tem escrito teu.
os cinco homens juntos formam
o meu corpo no teu.
mas de costas são apenas homens
sem qualquer serventia.
nem sequer me lambem como um cão vadio.
às vezes penso nas mulheres destes homens:
estão em casa, muito gordas, de avental,
com o jantar à espera.
penso no corpo delas, deformado,
a barriga acumulando-se sobre as coxas,
cheia de mamas.
os homens chegam a casa, sentam-se a comer,
passam da mesa para o corpo,
sentam-se a comer.
imagino o que as mulheres lhe dizem:
aqui tens o teu jantar,
ao mesmo tempo que colocam
o prato
e o corpo
sobre a mesa
***
alice macedo campos
*
Nuda come uno sterpo
nella piana notturna
con occhi di folle scavi l’ombra
per contare gli agguati.
Come un colchico lungo
con la tua corolla violacea di spettri
tremi
sotto il peso nero dei cieli.
***
antonia pozzi
milão, 1912
*
Medo
Nua como uma vara
em chão noturno
com olhos de loucura escavas a sombra
para contar as emboscadas.
Como um açafrão-do-prado
com a tua corola violácea de espectros
tremes
debaixo do negro peso dos céus
*
[trad: aam]
Sobre o teu silencio de madeira de espiño
nevamos coma un augurio as miñas mans e o inverno
O meu amor por ti é un decibelio de prata
Fico sentada no umbral de audición a ver como chega a palabra…
O meu cráter en repouso afuma bosques antigos
transpiro pola pel dun animal extinto
e a mucosa da tristeza cicatriza
en contacto directo coa luz dos órganos e os astros
O meu cráter de epitelio e cinzas
O meu cráter de queratina e granito
O meu amor por ti está feito de paz atómica
O meu pensamento fórmase
mediante un choque térmico contigo
Vou camiño de lonxe
sóbranme os ollos para verte
pero
vou contigo da man sul ponticello
son a máis pequena e aguda da familia
dos instrumentos de corda
pero dille por deus á túa boca ancestral
que me morda
***
olga novo
*
When I came to, in that year
of bamboo, then carbon, then
filament, I learned to make
my own light. At night, my breasts were incandescent,
soft as white spotlighted jades.
And the school girls who knew
how to see in the dark brought me
back in their arms. We set up our atelier in the city’s
reddest section. We plied the marquee
makers with our sugared tips, took
their likenesses with powdered flash;
some took their last names. I just held their trembling faces.
When the men changed, grew
more famous still, we painted our faces
in an electric gold the blind could see.
And Tesla hung our brothel lights, made our copper eggs
stand on their ends – but I took Edison
to my bed. For him, I coiled a wet-
licked curl and buried it in a bulb,
I pressed my hands together. The city smoldered, then burned.
***
brittany cavallaro
*
Electricidade, 1876
Quando vim, nesse ano
de bambu, depois carvão, depois
filamento, aprendi a fazer
a minha própria luz. À noite, os meus seios estavam incandescentes,
macios na brancura de focos de jade.
E as miúdas que estudavam e sabiam
como ver no escuro trouxeram-me
de volta nos seus braços. Estabelecemos o nosso atelier na mais vermelha
secção da cidade. Fizemos os artilheiros
de toldos com os nossos sinais de açúcar
conquistámos
as suas semelhanças com a faísca
em pó;
algumas ficaram com os seus apelidos. Eu apenas segurei as suas caras tremeluzentes.
Quando os homens mudaram, cresceram
ainda mais famosos, pintámos os nossos rostos
com um eléctrico dourado que um cego podia ver.
E Tesla pendurou as nossas luzes de bordel, manteve os nossos ovos de cobre
nos seus terminais – mas eu levei Edison
para a minha cama. Por ele, encaracolei um cabelo na boca lasciva
e encasquetei-o numa lâmpada,
Comprimo as minhas mãos. A cidade abrasada, a seguir ardida.
*
[trad: alberto miranda]
Quantas vezes ouvi o meu pai dizer:
não escolhas muito a roupa com que sais.
A bala que contorna a esquina
não se intimida com a beleza.
***
vasco gato
*
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