Há dias que escaldam,
dias de fogo posto na brancura da neve,
dias devoradores de carne
em sangue sobre o orvalho da pele;
Há dias em que dói o milagre
na cabeleira de um querubim
escorregando Alvão abaixo
sem medo;
Há dias sem tempo
no negro musical do espaço
que se encarrega de mim.
***
marília miranda lopes
*
(e=71)
tenho todo um tempo de juventude
polido no vazio
(em deserto)..........................
talvez tal exceção
me dê direito a um voucher
com um temporada num hotel
do lido de veneza
um desses
com praias exclusivas
onde até o clima deve ser mais fresco
e as brisas aquecidas
em todo o caso
esse tempo assim precioso
pretendo usá-lo no céu
como um diamante de sangue
não porque os sofrimentos sejam comparáveis
é mas é o céu
que é bem menor do que o mediterrâneo
e os que nele se perdem não conhecem
a raça da sua infância
a classe do seu anseio
[ou orientação de dor]
***
pedro ludgero
*
Sem ti tudo é mais tranquilo e doce.
asperge o sovaco um perfume raro
e teu pescoço de sardão másculo
derrete-se de tanto linguado
subtraído e alheado o testículo anelar
sob e desce consoante a súbita garganta
o pássaro que tem na bota
molha a casta santidade eréctil a passagem
de uma malha sacrílega à ceia
enquanto o apostolado em orgia branqueia o vinho
os congregados adormecem num eterno repouso.
***
aurelino costa
*
He visto el esqueleto de mi alma,
y no he tenido miedo.
Yo no he visto los huesos
que calmarán el hambre de los buitres,
o encontrarán su tumba bajo el agua,
entre la sal y los naufragios.
No todavía.
Tampoco he visto en ellos cicatrices:
quizá no he estado nunca en la batalla,
siguiendo las estelas de los tanques,
golpeando otros huesos con mis huesos.
No todavía.
He visto el esqueleto de mi alma:
era una catedral del siglo XIII,
sólo nervios y vanos,
y nada alrededor, clara y oscura.
***
maria m. bautista
*
Vi o esqueleto da minha alma,
e não tive medo.
Não vi os ossos
que acalmarão a fome dos abutres,
ou encontrarão seu tumulo debaixo de água,
entre o sal e os naufrágios.
Ainda não.
Também não vi neles cicatrizes:
talvez nunca tenha estado na batalha,
seguindo os rastos dos tanques,
golpeando outros ossos com os meus ossos.
Ainda não.
Vi o esqueleto da minha alma:
era uma catedral do século XIII,
só nervos e vãos,
e nada à volta, clara e escura.
*
[trad: cas]
A miña nai na praia, tarde turba
de ondas a ferver.
A miña nai quebrada, figura de latón
contra os muros do mar. Que non se entende
a música do tempo, onde estarei
cando o meu fillo poña neste verso
aquela tarde cova, o vento escuro
no terror da luz cóncava. Os avós
cantaban por enriba do balbordo
da escuma. Mar adentro
a perderse nun erro da memoria.
A miña nai, sen cabo, sen peirao,
regresa aqui setenta anos despois
e permanece tráxica
fronte aos muros do mar.
***
xosé maria álvarez cáccamo
vigo (galiza), 1950
*
For the country of death is the heart’s size
Dylan Thomas
sólo sé existirme si te sufro
perdona que te muestre el corazón
no es éste el hilo musical del cisne
y sus lacrimaciones pero
en la deflagración de mis batallas secretas
y hasta el erial más íntimo de mis derrotas
yo quiero dedicarte esta excelsa tragedia
la necesaria tragedia del amor
amasijazos en la sombras de la carne
en esa geométrica arteria
que suma angustia y trepidaciones ahí están
ahí están los indicios vehementes
la voz parece hermosa en las últimas palabras
amándote estoy te estoy
y siempre así
así que me duela
más allá de una mera transgresión retórica
sin eros de poetas que intercedan
me complazco y me sublimo tan perniciosamente
que persigo amarte
aun en contra de mis pobres virtudes
y a favor de toda disponible muerte
***
tina suárez
las palmas, 1971
*
FEDRA OU OS INDÍCIOS VEEMENTES
traducción al portugués: alberto augusto miranda
For the country of death is the heart’s size
Dylan Thomas
só sei existir a sofrer-te
perdoa que te mostre o coração
não é este o fio musical do cisne
o seu lacrimejar mas
na deflagração das minhas batalhas secretas
até ao baldio mais íntimo das minhas derrotas
quero dedicar-te esta excelsa tragédia
a necessária tragédia do amor
amassados nas sombras da carne
nessa geométrica artéria
que soma angústias e trepidações aí estão
aí estão os indícios veementes
a voz parece linda nas últimas palavras
estou a amar-te estou-te
e sempre assim
que assim me doa
mais do que uma mera transgressão retórica
sem eros de poetas que intercedam
comprazo-me e sublimo-me tão perniciosamente
que persigo amar-te
mesmo contra as minhas pobres virtudes
a favor de toda a morte disponível
*
0
Apocalítica
Desde que existe Ray-Ban no hay Faetontes
1
Ícaro
Con el amasijo de cera se hicieron tablillas
Que se grabaron con las plumas caídas
2
Dédalo
Los planos no eran otra cosa que el mapa estelar.
Pêro a quién se le va a ocurrir consultar el cielo
Cuando el olor de la bestia se hace tangible?
3
Tengo una neurona vestida de azul...
4
Nobleza obliga
Entre tus dedos de sangre azul
los anillos parecen profundos
sumergidos como restos de una hermosa ahogada.
Al escribir tu nombre,
Serenisima,
las curvas son difíciles para las cuchillas.
5
No tengas miedo de recordar el pasado:
Aunque te convirtieras en estatua de sal,
Te lamería hasta morir de deshidratación.
6
Lot
(Por lo menos, Yahve tuvo el detalle
de hacer subir el precio de la sal.)
7
Lo encarcelaron
Por agredir el património artístico
Al sorprenderle acariciando con limones el David de Miguel Ángel
(A ella la detuvieron exactamente por el mismo delito
Porque al frotarse desnuda contra la escultura
No tuvo en cuenta el Ph ácido de su vientre.)
***
sofia gonzález
madrid, 1978
*
SETE POEMAS
0
Apocalítica
Desde que existem os Ray-Ban já não há Faetontes
1
Ícaro
Com a massa da cera fizeram-se outdoors
Gravados com as penas caídas
2
Dédalo
Os planos eram simplesmente o mapa estelar.
Mas quem se lembrará de consultar o céu
Quando o cheiro da besta se torna tangível?
3
Tenho um neurónio vestido de azul...
4
Noblesse oblige
Entre os teus dedos de sangue azul
os anéis parecem profundos
submersos como restos de uma formosa afogada.
Ao escrever o teu nome,
Sereníssima,
As curvas são difíceis para as navalhas.
5
Não tenhas medo de recordar o passado:
Mesmo que te convertesses em estátua de sal,
Lamber-te-ia até morrer de desidratação.
6
Lot
(Pelo menos Iavé teve o detalhe
de fazer subir o preço do sal.)
7
Prenderam-no
Por agredir o património artístico
Foi apanhado a acariciar com limões o David de Miguel Ângelo
(A ela detiveram-na exactamente pelo mesmo delito
Porque ao esfregar-se nua contra a escultura
Não teve em conta o ph ácido do seu ventre.)
*
[traducción al portugués: alberto augusto miranda]
1
Entre dois espelhos
corre, o escasso dia, e ninguém
com ele corre.
2
Envelhecida
noiva, em cada esquina cai
de sono, a Lua Nova.
3
Exumadas rusgas,
lassas sombras que o medo
enlaça ao pé da escada.
4
Lívidos espasmos
prolonga então no sangue
a faca escura.
5
Um só desejo
espera pela demora de
outra chegada morte.
6
Frio lagarto,
o Sol acama a febre:
lodo, vento, cais.
7
A horas mortas,
vingam a luz nos saguões:
raro desgarro, cio.
8
Na mão ausente,
outro cigarro vago de
todo se fumou.
9
Nunca atendidas
ao balcão, glosam naufrágios
de cana, e cantochão.
10
Postos em linha
sobre carris forçam a malha
fugida do destino.
11
Olhos nos olhos
enchem: vazios favos,
fulvos, de ternura.
12
Siderados mortos
de sede, bebem a noite
noivada do sepulcro.
13
De borco ao relento
sonham prender-se a tempo
a cauda de um cometa.
14
Em menos dum ‘nstante
rastros de estrela ajusta a si
a face do archeiro.
15
Águas passadas
ponte que a avalanche de neve
carbónica atolou.
16
De rua em rua, já
nas mãos do florista se fez
noite a flor do absynto.
17
Sob pálpebras
de chumbo volta a ser chaga:
o fósforo do olhar.
18
Exaurida prece
esfriam as vozes, de arco em
arco, p’lo céu da boca.
19
A não ser que a chama
ateie o coração, ficam-se:
o sorriso de lacre.
***
vergílio alberto vieira
amares, 1950
*
Poesía para vivir. Non para ser alguén. Poesía para ser. Ser poeta é non ter decidido selo. Escribir é non poder non escribir. Como un acto fisiolóxico. Poesía como ter fame. Natural coma toda secreción. Cántico corporal. Trallazo de algures. Incógnita que se manifesta. Instinto que se resolve. Resolución espasmódica. De dentro cara fóra. Unha memoria que pide canle. Tambor que se toca por dentro da pel. Chuvia que se chove a si mesma. Rotación do caos. Terminacións nervosas do Pracer. Castro da inmensidade. Intelixencia introspectiva. Acto de amor.
Da poesía non pode esperarse nada. A poesía non se estorsiona. Contorsiónase ela. O acto de escritura non se provoca: é el quen provoca. E o que el revela, rebela sempre. Entregáse por nada. Dáse. Déixase comer. Abandóase.
Apátrida. Viva en exilio permanente. En disolución. Desintegrada. Remota no centro do mundo. Central na periferia. Nunca casual e sempre cáustica. Verdade que só aspira a ser verdade. Pobre de pedir. Bestia descomunal. Nena furiosa. Método inductivo. Piollosa. Criminal sincera.
Non se produce poemas: supúranse. Non creo pensamento ó redor da miña propia supuración: non teño autopoética. Nin quero tela. Non sei qué di cando digo. Só percibo escuramente o seu gurgullar impredecible: a miña é talvez non unha autopoética senón unha intrapoética. Escoito a súa ecuación coma unha bomba.
Que ninguén se engane: a poesía é unha ciencia exacta. Chea de goma2 e amor.
***
olga novo
*
adelia prado(5)
adilia lopes(8)
al berto(6)
alba mendez(4)
anxos romeo(4)
augusto gil(4)
aurelino costa(11)
baldo ramos(6)
carlos vinagre(13)
daniel maia - pinto rodrigues(4)
fatima vale(10)
gastão cruz(5)
jaime rocha(5)
joana espain(10)
jose afonso(5)
jose regio(4)
maite dono(5)
manolo pipas(6)
maria lado(6)
mia couto(8)
miguel torga(4)
nuno judice(8)
olga novo(17)
pedro mexia(5)
pedro tamen(4)
sophia mello breyner andressen(7)
sylvia beirute(11)
tiago araujo(5)
yolanda castaño(10)
leitores amigos
leituras minhas
leituras interrompidas