na fronteira de um corvo
inventam-se as luzes esverdeadas
de um mostruário e
o incêndio
é o seu semi-círculo avançado
no grifo.na cornucópia solar.na bifidez
ensopada da claridade inumerável.
***
*
*
22 de fevereiro
O amor é vermelho e tem medo de perder
e se preocupa com cartas não respondidas
com o silêncio do telefone
e a falta da palavra meuamor
O amor é feito de ausências e dependências
de encontros desmarcados e acertos
de memória e corpo
Se está longe
o amor deseja estar perto
Se está perto,
não sabe o que fazer com as mãos
nem com as palavras
Em geral,
o amor perde tempo na repetição de tudo:
do verbo
ao toque
E porque sabe que é feito de finais
o amor nunca começa
Ou se perde no momento em que inicia
O amor vicia
***
suzana vargas
*
Au lendemain
de la tue-cochon
nous rentrons à la nuit
tu conduis distraitement
tes mains
dont le toucher inattentif
n'agace plus
mes seins
sont posées sur le volant
inutiles et machinales
et pourtant
les pulsations la joie
brutale
et l'affolement
prennent mon corps quelquefois
comme à l'instant
où je tourne la tête
secouée d'une joie muette
devant une pelletée de roses
suspendues
à une ornière
tu me dis : « à quoi tu penses »
et je ne peux pas
te répondre qu'avant de
te fermer les yeux
je verrai encore dedans
l'ennui sertir
les rayons noirs de leur iris
ce même ennui qui
flottera
avec les pans de ta chemise
lorsque tu écraseras
soudain
la pédale d'accélérateur
jusqu'à la chute dans la rivière
dont seule
je sortirai indemne
pour t'enterrer à même la rive.
***
anna de sandre
*
Rutura da tração
No dia seguinte
à matança do porco
regressamos à noite
tu conduzes distraidamente
as tuas mãos
cujo toque distraído
já não excita
os meus seios
estão pousadas sobre o volante
inúteis e maquinais
e no entanto
as pulsações a alegria
brutal
e a loucura
tomam o meu corpo algumas vezes
como no instante
em que giro a cabeça
sacudida por uma alegria muda
diante duma ramada de rosas
suspensas
sobre um caminho
dizes-me tu: «em que pensas»
e eu não posso
te responder que antes de
te fechar os olhos
verei ainda no interior
o aborrecimento engastar
os raios negros das suas iris
esse mesmo aborrecimento que
flutuará
com as abas da tua camisa
logo que esmagues
de repente
o pedal do acelerador
até à queda no rio
de onde sozinha
sairei incólume
para te enterrar na mesma margem
*
[trad: cas]
Armas de arremesso
A esplanada cheia de velhos
que falam do voo rasante
dos pombos sobre os telhados marítimos.
de corpo habituado à invisibilidade,
sabes que, ao falarem do voo dos pombos,
os velhos reproduzem códigos
que apenas outros velhos entendem.
tudo é assim há séculos:
sábios esquecidos entre copos e garrafas,
cartas gastas e barcos naufragados
no alto coração da cidade
não há aqui, porém, atropelos,
nenhum voo interrompido,
e mesmo quando o diálogo se prolonga,
sôfrego, até à evidência de que nenhum homem
é perito em armas de arremesso
tu, renascido kalkhas, ouves nitidamente
outras palavras: falhar é uma bênção
para quem atira pedras aos céus.
***
paulo tavares
lisboa, 1977
*
Basta de crer no amor, basta de amar!
Meu louco coração, toma juízo:
Pra os que querem na terra o paraíso,
Há um remédio só – renunciar.
Renuncia! Se tudo quanto existe,
É mentiroso, e só nos faz descrer,
- não vale a pena amar, pra quê correr
Atrás de sombras vãs, coração triste?
Não querem entender-te, coração,
… não podem entender-te, quando tentas
Erguer as pobres asas desse chão…
Queres pairar em regiões mais puras?
Vive acima da terra e das tormentas,
- sozinho como as águias nas alturas…
***
manuel laranjeira
*
ALGO OBSCENO
Ao principio esmagáronme o corpo. Pauline espapallada.
E todo foron lóstregos e cinsa. Ninguén falou por min.
Foi cando os incendios. Despois da deflagración e da intemperie.
Metéronme nunha caixa. Coma os homes que mato.
Dentro é que escribín este libro. Feito de sombras.
Pero antes das palabras e do incendio_antes das sombras_cheguei onda vós-nun cabalo a vapor.
Pauline à la plage: desobediente Antígona nemorosa-a piques de evaporarse…
É como non quixen-deixáronme.
É como non puiden-non o evitei: pinchei os dedos no aramio e un líquido brutal saiu de min: fun fonte.
Pauline ensanguentada: rodeada de insectos.
E souben entón que había unha hemorraxia interna: tumulto e tigres.
***
rosa enríquez
*
O Corsário da vida é como os teus beiços a sobrevoar o meu corpo. O arco, na sua chama de clarinete, hospitalar, abunda numa boneca com farrapo e um vagabundo cristal. Tilintar das chaves, a tua pele a roçar. A boca para o principício - abundância do suor pela fechadura cíclica no feto trespassado pela cor - o orifício das borboletas.
Apaixono-me diante do que não posso. E transpiro pela fragância o imaginável.
A torrente das coisas suplanta-me. Abro o manancial.
- a perspectiva
***
carlos vinagre
*
1.
yo viajé en autobús
triste
como un bonsái
que aprende a tocar la guitarra
en la madera de su tronco diminuto
y feliz como un pan
que acaba de salir del horno
de la isla uno puede irse en avión
en barco
o nadando
en esas tres ocasiones
me besó en la nuca
con su aliento volcánico
me tatuó unos labios gruesos
de señora de comunión que no te gusta que te bese
de señora de comunión que besa tu infancia
porque ella también es una ínsula extraña
el avión me aterrizó en el campo de estrellas
llovía
ahora no entiendo cómo alguien que cuenta chistes de gallegos
no se moja cuando los pronuncia
chapotear en un charco es como estar en casa
subí a un tren rumbo a la ciudad de la muralla
la casa de papá estaba tan vacía que agarré mis cosas
y corrí a dormir a otras camas de agua
el corazón se hace pequeño como un chicle
allí me despedí de otras gentes que pusieron otra cara
y lloraron de otra forma
me fui con un bolsillo lleno de mar y otro de lluvia
***
eva cabo
lugo, 1977
*
Que xusto morrer polo invencible sono
de brocados séculos e xuventude de templos
non engano pra meu mais tenro abrigo
nen segredo de chamadas
doutrina insensible de ocultar
o tecido que me rabuño
ofrendo sen intento de surxir
estreito penso no irreal do medo
suspiro ¡Qué verdade a verdade!
pero nese lado do esquecemento
vin crear unha ponte
coa esperanza de ofrecer a meditación
do nome
venerable alento ante os equilibrios
nas cordas do infinito
e agora acúsome
sen enviar palabras movedizas
falándome entre remusmús
escondendo a fraxilidade
baixo verticais do ar
¡Tan incompletas as horas!
***
anxos romeo
*
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