um frio inquieto toma conta
das pálpebras quando para lá do mar
o olhar se perde
Pouca coisa o pensar do longe
remedeia ou consola
quando das ilhas do sul
não se acha nunca horizonte
para prumo dopensamento
Uma espessura de sal retorna e petrifica
e algo se quebra na cegueira de tanto olhar.
É o mar e tudo o que nele cabe
que nos perde e nos salva
***
fernando martinho guimarães
alijó, 1960
*
Extenuado nada
tem a dizer
ao que os seus olhos
alimentam. Uma criança
acende apaga
candeeiros, o muro
é só areia
de same.
***
jose carlos soares
*
de cando me fixen vaca
e os montes flexíbeis daban neve quente para fornecer o
teu degoro
de cando zumegaba eu a luz dos montes en feixes
poderosos
e aquilo era un banquete de canaán místico
e cotián
de cando a prolactina me volvía ave
e eu tiña os ollos mansos mansos
profundamente domesticados de ti
amantes
e imantados
dous peregrinos sen nome na rota do leite
perdidos á teima no tramado das veas
na singradura do incesto
pois que esto é o que se ve
cando alguén olla o noso cadro de madona
e neno
***
maite dono
*
Mínimo grillo, mira: Éste es mi tema.
Defendido y mordido por la herrumbre
lo descubrí en mí sangre, en esa lumbre
donde el silencio empieza a ser poema.
Toco en su enjuta brevedad de esquema
el hueso de mi antigua pesadumbre.
Parece su azulísima quejumbre
la de un mar encerrado en una gema.
¡Ay, si al abrirlo, en vez de la sirena
asoma un pez vulgar de sangre muda,
y el tema vuelve a ser silencio entero!
¡Ay, si lo desfiguro con arena!
Quiero ese verso de ola, el que desnuda.
Cántalo, hermano mío, tú primero.
***
amelia biagioni
*
Véspera do canto
traducción al portugués: alberto augusto miranda
Mínimo grilo, nota: Este é o meu tema.
Defendido e mordido pela ferrugem
Descobri-o no meu sangue, nesse lúmen
onde o silêncio começa a ser poema.
Na sua enxuta concisão de esquema
toco o osso do velho pesadelo.
Sua azulíssima dor em novelo
é a de um mar fechado numa gema.
Ai, e se ao abri-lo em vez da sereia
de sangue mudo sai um peixe pobre
e o tema volta a ser silêncio inteiro!
Ai, e se o desfiguro com areia!
Quero esse verso de onda que descobre
Canta-o tu, meu irmão, tu primeiro.
*
del libro «Hay Milagros Peores Que La Muerte»
Los emigrantes a veces
abandonan sus desgracias en los trenes,
recorren la sangre absoluta
de una mujer degollada en sus confines.
Retoman los caminos de los libros
y el devenir de Fausto a la locura.
Se bañan en la lluvia de los parias,
en el andamiaje de la muerte
sus mentiras.
Salen a la luna los domingos
persiguiendo su regreso en los amigos.
Recorren las leyendas de la guerra
con una voz distinta
y sus casas son pájaros de sangre
para un insomnio desolado.
Los emigrantes, diminutos malheridos,
conocen del tiempo su afanosa venganza
mientras adquieren lejanías más ingratas.
Dibujan ventanas a sus ruidos,
escriben su historia
en las banquillas
y cocinan terquedades para nombres
que no vuelven y los hijos muertos.
Después desmienten
pero nunca olvidan
y quieren volver
y no vuelven.
***
alejandra castro
*
OS EMIGRANTES
do livro «Há Milagres Piores Que A Morte»
traducción al portugués: alberto augusto miranda
Os emigrantes às vezes
abandonam as suas desgraças nos comboios,
percorrem o sangue absoluto
de uma mulher degolada nos seus confins.
Retomam os caminhos dos livros
e o engolimento de Fausto pela loucura.
Banham-se na chuva dos párias
nos andaimes da morte
as suas mentiras.
Saem para a lua aos domingos
perseguindo o seu regresso nos amigos.
Percorrem as lendas da guerra
com uma voz diferente
e as suas casas são pássaros de sangue
para uma desolada insónia.
Os emigrantes, pequenos feridos graves,
conhecem do tempo a afanosa vingança
enquanto adquirem lonjuras mais ingratas.
Desenham janelas nos seus ruídos,
escrevem a sua história
nos mochos
e cozinham obstinações para nomes
que não voltam e para os filhos mortos.
Depois desmentem
mas nunca esquecem
e querem voltar
e não voltam.
*
Gastamo-nos na erva
nas espadas
nas paredes rombas de salas olvidadas
e somos sempre
um selo
um carimbo espelhado
de marcos concebidos
nas esquinas
de uma lágrima
um inclinar de ombros
tão só
o azul
os dentes marcados em água nascente
e em quadriláteros
nos morremos
sofrido e lento parto
encarcerado
de inícios
sonhos transversos para um poema
são os dias relidos
em folhas soltas
de um livro aspergido
salpicos de sangue
azedo de tempo
os coágulos a estancar as feridas
das veias cortadas
num assassínio brando
sorrimos
o olhar para trás
o corte das rosas maduras
e as vísceras minguadas
neste espaço tão fundo
em louca vertigem
à passagem das luas
ao quente pulsar
do trânsito veemente das bocas
se
o arame farpado
ou lâmpadas roxas
se
a língua seca
de trinados metálicos
se
o canto abafado
em espartilhos de vidro
apontamos o dedo
a unha encurvada em garra
presa fácil
o ar que respiramos
a mudez atacada de cegueira
ai
as pedras
gastam-se na erva
nas espadas
nas paredes rombas de salas olvidadas
olhamos para o lado
uma criança chora
esquecida da dureza do vento
quando a terra é seca
e os cardos invadem as dunas
leva no olhar o sal
nas mãos um barco de papel
asas longas
à espera de um sopro
de um bafo quente
de boca interior
não bastam as pegadas na areia
pés de planta augada
erguemos o rosto
beijamos a espuma dos dias
perguntamos
e se a morte não basta?
***
almerinda alves
melgaço, 1965
*
Ela e eu
somos unha muller que fica irresoluta
a carón do negro pano, nun entreacto
Onde burkas psicolóxicos
penduran bolboretas mortas
Apegadas nas lámpadas
dos afumados teitos dun antonte
Parece improbábel que atope unha saída
seica vivo, ou non vivo
mais, permanezo paralizada
coma os paxaros fusionados nos paus da luz
naqueles postes, que circundan as estradas vellas
Arredor do meu embigo coido que
gabean todos los contos e crean labirintos
valados imposíbeis
***
cruz martinez
*
lembro-me de uma noite, ao sair da garagem,
o teu carro ter já deixado a rua, e da rua ser, à
luz moída dos postes públicos, uma largura infinita
de paralelos, e dos meus pés estarem paralisados, e
da paragem cardíaca do teu nome na minha boca, na
viagem mais longa que fiz à solidão.
hoje, recebi a tua carta, estava no tapete da entrada,
húmida, ligeiramente suja com cinza de cigarro, e pensei
nas tuas mãos, no gesto de enrolar tabaco, na tua língua,
no gesto de o lamber, e no quanto terás fumado cada
palavra. assim que entrei, sentei-me a ler, só depois
desfiz a mala. devo dizer-te que é muito triste
uma mulher sentada a ler com a roupa por lavar,
sobretudo antes de tomar banho, e que, por isso,
liguei a máquina naquele programa que dura
exactamente o tempo de um duche, estendi
a roupa, e ainda não sequei o cabelo.
***
alice macedo campos
*
Morrer não é coisa que se faça a um gato.
Que há-de um gato fazer
num apartamento vazio?
Subir às paredes?
Roçar-se nos móveis?
Aparentemente não mudou nada
e no entanto está tudo mudado.
Continua tudo no seu lugar
e no entanto está tudo fora do sítio.
E à noite a lâmpada já não está acesa.
Ouvem-se passos nas escadas,
mas não são os mesmos.
A mão que põe o peixe no prato
também já não é a que o punha.
Há aqui qualquer coisa que já não começa
à hora do costume,
qualquer coisa que não se passa
como deveria passar-se.
Havia aqui alguém que há muito estava e estava
e que de repente desapareceu
e agora insistentemente não está.
Procurou-se em todos os armários,
revistaram-se as estantes,
espreitou-se para debaixo do tapete.
Violou-se até a proibição
de desarrumar os papéis.
Que mais se pode fazer?
Dormir e esperar.
Quando regressar, ele vai ver,
ele vai ver quando chegar.
Vai ficar a saber
que isto não é coisa que se faça a um gato .
Caminhar-se-á em direcção a ele
como que contrariado,
devarinho, com patas amuadas.
E nada de saltos ou mios. Pelo menos ao princípio.
***
wislawa szymborska
Kórnik, 1923 — Cracóvia, 2012
*
[trad: manuel antónio pina]
Levo no peteiro
(paxaro eu)
o teu corazón,
sede das sensacións
e das emocións
atravesadas de parte a parte.
Pódese querer e estar cansa de querer.
Iso acontece.
***
eloísa otero
león, 1962
*
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