avanço rente ao solo
os músculos retesados.
(sobre a pele
o voo longínquo duma ave).
avanço. um coração ao alto.
as palavras avassalam
e o sol já não aquece.
este bater em hausto contra o muro.
a forma das mãos - triangular.
o desejo fechado numa gaveta
de ócio.
não digo que estou vivo.
como as palavras
sei que oscilo.
***
licastro
*
Nada de muito diferente de há quarenta mil anos.
Estes alunos são ainda homens das cavernas.
Verdadeiramente totémicos,
os pré-históricos alunos
desenham falos em livros de encantar,
castigam as páginas de belos livros com
conspícuos e vigorosos membros
deteriorando os materiais, aviltando o texto,
sobrepondo à cândida ilustração
a sua leitura do mundo,
a sua arma de escolha.
As meninas ficam horrorizadas.
nem falam.
Às pinturas rupestres estão agora por todo o lado:
livros, carteiras, paredes
como nas paredes das cavernas há quarenta mil anos...
E em que é que estas diferem daquelas?
E o que é uma sala de aula senão uma caverna
e as paredes paredes?
Civilizações de permeio apenas,
a possibilidade da rinoplastia...
Eu olho-os com os seus occipitais protuberantes,
na depressão de testa e mento,
na fria latitude pleistocénica
desta caverna
onde Platão não tem lugar,
apenas o mamute que prenuncio lá fora,
gélido como um temporal,
proboscídeo, adventício,
anunciando a era do elefante.
As folhas caem. Os falos também...
Tudo está solto, caduco.
Estes alunos são os elefantes que o mamute anuncia.
E os genitais continuam a ser um modo de expressão,
de pôr trombas em todo o lado, epigramas
assomando nesta tarde cinzenta.
enquanto atiro o olhar
pelo ponto de fuga da janela,
o meu olhar irreprimível face aos lenhos,
vigorosamente inscritos
na paisagem.
***
daniel jonas
*
Me dices que te hable sobre mi vida.
Yo te propongo un poema sobre la locura.
Me propones una frase para desarrollar un poema.
Poema es momento presente, lo que me ocupa.
Me dices que me ponga en el lugar
de la que me hubiera gustado ser.
Yo te digo que una actriz de cine
famosa para vivir y ser amada por miles
que es como volar por encima de una playa
y saber que aquella gente me mira y me llama.
Eso es morir.
O suicidarse.
Vagar como un fantasma ausente
en la conciencia de miles sin cuerpo ni cara.
Para verlo tomar palco entre miles estupefactos
y llamarme.
Suelo volar como una paloma herida
en una playa interminable
y dejar rastros de sangre
ante el tin tin ausente
de tu teléfono,
llamarte es confrontarme con la realidad inexorable
de un fracaso
***
martha kornblith
lima (peru), 1959 - caracas (venezuela) 1997
*
Pedes-me que te fale sobre a minha vida.
Eu proponho-te um poema sobre a loucura.
Propões-me uma frase para desenvolver um poema.
Poema é o momento presente, o que me ocupa.
Dizes-me que me ponha no lugar
da que gostaria de ter sido.
Digo-te que uma actriz de cinema
famosa para viver e ser amada por milhares
que é como voar por cima de uma praia
e saber que aquela gente me olha e me chama.
Isso é morrer.
Ou suicidar-se.
Vaguear como um fantasma ausente
na consciência de milhares sem corpo nem rosto.
Para vê-lo ocupar o palco entre muitos estupefactos
e chamar-me.
Costumo voar como uma pomba ferida
numa praia interminável
e deixar rastos de sangue
perante o trrim trrim ausente
do teu telefone,
chamar-te é confrontar-me com a realidade inexorável
de um fracasso
*
[trad: cas]
Fólios sonoros rasgados
ao vento girando os dias
assombrando a terra
(pianoforte) — árvore das mil estrelas qual livro aberto
e tudo e todas as páginas
ao vento também
dos poemas despedaçados
esfera marítima rumorejante
esfomeada
ondulando as roupas coloridas
de um varal aéreo
rodopiantes silfos
sufis, encantos ou Mary Poppins
com su umbrella bianca
— serei as duas almas de Hurricane
subterrâneo vício de Ulisses
no velo do abraço a tarde fria
espumando a boca
do cão com asas
do cão sem asas
guiando meu cego corpo
mar do olho pedregoso atirado à fuligem
sopro preso no sopro
na voragem
e de novo o corpo
em grifos
açoites
entrecortando cidades girando
aqui
meu pequeno vendaval
sobre
o tapete chinês
***
jussara salazar
*
y vi tu cara entre las que no había visto antes.
y dije "por qué no desaparecemos juntos".
pero abrí los ojos tarde.
me dirigía hacia el callejón sin salida de la noche.
tengo que darle un nombre a la oscuridad
por no mirarte a los ojos
no deberías tener ojos. ni yo sueños.
así podría quedarme dormida como cualquiera.
más allá de nuestros espantos individuales, dormir como todos,
sin pensar en los párpados cerrados como distancia
*
*
desaparecer juntos
e vi teu rosto entre os que nunca tinha visto
e disse “por que não desaparecemos juntos”
mas abri os olhos tarde.
dirigia-me ao beco sem saída da noite
tenho que dar um nome à escuridão
por não te olhar nos olhos
não devias ter olhos. Nem eu sonhos
assim poderia ficar adormecida como outra qualquer
mais além dos nossos próprios medos, dormir como todos,
sem pensar nas pálpebras cerradas como distância
*
[trad: cas]
Havia um barulho de moedas
despencando na noite
e o bater de asas desarmônico das moscas
o azul terno das moscas moribundas.
Pareciam sinos entoando tristes melodias
e eu pensava em partir,
ouvindo o apito urgente dos navios,
embora não houvesse portos nos arredores
nem sonhos despedaçados de velhos marinheiros.
As coisas não acabam quando terminam – desterros,
precisam se acostumar com a solidão dos relógios parados,
dos pêndulos desnudos – A crônica da casa assassinada
com a sublimação agonizante das naftalinas.
os objetos se desfazem antes ou depois
se espremendo numa verdade inventada,
Partida –ficção e traças...
Pinto o rouge et noir
dos morangos mofados
lagartas sem metamorfoses
queimando o oco do meu peito
- ensurdeço.
A gosma branca da solidão
anda feito lesma no meu dorso
um resto em retardo do seu gozo.
Hoje,
tétano nos meus olhos enferrujados
de tanto ver.
A dor é uma crosta espessa
falsos moluscos enrodilhando minha pele
Peixes estripados.
***
marcia barbieri
são paulo (brasil), 1979
*
Esta noche mientras ingiero
el yogurt de frutos rojos
que regulará el tránsito intestinal de mi cuerpo
pienso en la gente que huye,
en la que se queda,
también en ti,
en por qué sigues en esta ciudad
si sabes que existen muchos sitios donde esconderse,
si sabes que los lugares oscuros son en realidad
los que dominan el mundo.
***
sonia fides
madrid, 1969
*
o iogurte de frutos vermelhos que regulará o trânsito intestinal do meu corpo
Esta noite enquanto ingiro
p iogurte de frutos vermelhos
que regulará o trânsito intestinal do meu corpo
penso nas pessoas que fogem,
nas que ficam,
também em ti,
e na razão por que continuas nesta cidade
se sabes que existem muitos sítios onde te esconderes,
se sabes que os lugares escuros são na realidade
os que dominam o mundo.
*
[trad: cas]
Não preciso mas tu sabes como eu sou
Encaminho-me pouco divirto-me assim nas copas
Das árvores soprando pensamentos para o mundo que há de noite.
As pessoas quando acordam são outras, já sabias,
Essa névoa contemporânea do medo miudinho
Que perdemos nas cidades e nos corpos, tu entraste
Antes de mim nos jogos, o enxofre da música e o
Lago do feitiço, inocente homem breve que sonha
Tu bem sabes.
Depois aluguei a bruxa por uma vasta noite.
E a minha vida mudou, a noite cresceu,
A vertigem ardeu-me nos braços até a sangria
Do tédio quando para sempre julguei que te perdia.
Na luta perdi um ou dois braços,
Mais do que o que tinha. Mas esta memória é um palácio,
São corais no pensamento. Jardins e fantasmas,
O gume nas mãos sorvendo, criança estratosférica
E profunda: sem braços e agora sem mais nada.
Não me percebeste, enchi-me de fúria.
É uma arte, queria eu dizer, matar sem retrocesso e
Atraso – ah aqueles braços para apoiar as mãos - ,
Ceifando. Saturno.e.o.vento.na.proa.erguendo.
O: navio:no:mar:parado:parado: completamente.
Parado.como dizer? Não dizer, eu sou.uma vida
Medonha e múltipla. E agora descanso
Deitado nestas mãos que mexem
Sem apoio, sabes, nascendo dos teus olhos
P’la manhã.
***
rui costa
porto, 1972 - 2012
*
O horror calou tudo, declararam.
Depois de Auschwitz
Continuámos a falar, porém - sem ambição.
Reconhecendo o inalcançável,
Baixando o olhar.
Pois o que pode a fala? Por que dizem
Que, cantada, faz de arma?
Se com ela não nos municiamos.
Se, com a morte duma Grécia antiga,
Perdemos o condão de nomear
Deuses e sentimentos e até
As pequenas moléculas, enfim, nomear o real
Que, naquele caso, incluía o tremendo e a maravilha?
Esses, os que levavam para a praça
Quezílias, sim, projectos e também,
E, sobretudo, uma noção de polis
E de uma paridade vigiada,
Severamente vigiada.
Os Gregos, esses
Que narravam o medo para que o medo
Se tornasse visível, prisioneiro
Na teia do poema,
Se não compreensível, pelo menos
Transformado em espectáculo - essa Grécia,
Essa Atenas perfeita, mais perfeita
Que qualquer utopia, a rapariga
Inesperadamente transformada
Numa ruína,
Esses - que não existem
E nos deixaram assustados, sós,
Sob o sem-rosto, sós
Sem as ferramentas adequadas,
Sem pensamento,
Sem esses deuses temperamentais
Que tomavam partido nos combates,
Nós, os abandonados, os que não
Sabem sequer como aplacar
E a quem,
Nós os emudecidos,
Irmanados com os sem-terra, nós,
Os futuramente esfomeados,
Bárbaros com os pés no alcatrão,
Bebedores de petróleo, como pode
De novo a praça,
A Ágora, juntar-nos?
Transformados em porcos, por feitiço,
Pela malevolência,
Exactamente
Como na Odisseia,
Não sabemos
- e os Gregos esqueceram -
Como é que tal feitiço
Se desfaz?
***
hélia correia
*
executo-me
em cada frase que pronuncio
no enorme bosque de labaredas
há espelhos a partir as escamas
uma náusea a fiar os olhos
executo-me
e em cada pele que transmuta
um alerta excreta pela ponta do penhasco
uma sombra a espalhar-se pelo mundo
executo-me
e na execução da minha carne
na ascese do meu corpo
uma luz embacia o sonho
e no vidro do do rosto
cai a chuva pelos músculos
como um turismo sem forma
executo-me ininterruptamente
***
carlos vinagre
*
adelia prado(5)
adilia lopes(8)
al berto(6)
alba mendez(4)
anxos romeo(4)
augusto gil(4)
aurelino costa(11)
baldo ramos(6)
carlos vinagre(13)
daniel maia - pinto rodrigues(4)
fatima vale(10)
gastão cruz(5)
jaime rocha(5)
joana espain(10)
jose afonso(5)
jose regio(4)
maite dono(5)
manolo pipas(6)
maria lado(6)
mia couto(8)
miguel torga(4)
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pedro mexia(5)
pedro tamen(4)
sophia mello breyner andressen(7)
sylvia beirute(11)
tiago araujo(5)
yolanda castaño(10)
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