1 de Abril de 2011, 6ª feira
Vi um cão abandonado.
2 de Abril de 2011, sábado
Vi dois papagaios verdes no alto de um choupo.
3 de Abril de 2011, domingo
Vi uma rosa cor-de-rosa no quintal do 14.
4 de Abril de 2011, 2ª feira
Arrumei o casacão no guarda-fato.
6 de Abril de 2011, 4ª feira
A Bé gostava de ter um macaquinho.
9 de Abril de 2011, sábado
Quero escrever frases, tagarelar e dançar.
Gosto de solinho. Ver o barómetro.
10 de Abril de 2011, domingo
Descomplicar.
A Leonor tem roupa à janela.
***
adília lopes
*
(para o joaquim manuel magalhães)
O mais veloz corredor da sua geração, pelo menos
no arranque, não admira que tenha chegado primeiro
a muito lado. Mas tão cedo partia, invariavelmente,
que nem louros nem medalhas, pois a prova ainda não
tinha começado.
Sofria essa mania de correr por fora
de qualquer certame, por conta própria, em mandatos
espontâneos, auto-atribuídos. Deste modo, andava
sempre sozinho, porque quando os seus émulos partiam,
já ele estava em casa, a preparar com a sombra a sua
próxima aventura, que no fundo consistia em abrir pistas
para quem viesse atrás. Assim, se queria conversar com
alguém, só lhe restava fingir uma queda no senso-comum,
uma lesão no joelho - e amiúde o fazia, pois na verdade
pouco tinha de misantropo, chegando mesmo a execrar
como maldita a compulsão que o levava a partir antes
do tiro de laragada, e a chegar primeiro onde ninguém
o esperava. Talvez isso explique a timidez de anacoreta
que sempre exibia, e a prudência relativa das suas passadas.
Dez ou vinte anos depois, aceerados epígonos diriam
morosas as suas corridas, convenientemente esquecidos,
como é próprio de retardatários sem vergonha, que se
faziam melhores tempos (os que faziam), era em pistas
utilmente batidas e inauguradas por ele, o pujante pioneiro.
***
josé miguel silva
vila nova de gaia, 1969
*
os cães gerais ladram às luas que lavram pelos desertos fora
mas a gota de água treme e brilha,
não uses as unhas senão nas linhas mais puras,
e a grande Constelação do Cão galga através da noite do mundo cheia de ar e de areia
e de fogo,
e não interrompe ministério nenhum nem nenhum elemento,
e tu guarda para a escrita a estrita gota de água imarcescível
contra a turva sede da matilha,
com tua linha limpa cruzas cactos, escorpiões, árduos buracos negros:
queres apenas
aquela gota viva entre as unhas,
enquanto em torno sob as luas os cães cheiram os cus uns aos outros
à procura do ouro
***
herberto helder
*
Não é que seja o momento para trocar
cartões-de-visita. José Maria da Silva,
fotógrafo profissional com estúdio em Lisboa,
tem por hábito mudar-se para a vila da Ericeira
na época balnear. Ainda está por aqui
no dia 5 de Outubro. Um notável testemunho
(gelatina e sais de prata, memória pronta e fiel)
que, com sorte, há-de chegar à Ilustração
Portuguesa. Além disso, uma kodak não tropeça
em estrangeirismos, ornatos de sabor clássico,
no jeito francês da frase, nos defeitos da sintaxe.
José Maria da Silva, fotógrafo profissional,
passa o resto da tarde com um nervoso
miudinho. Até revelar as chapas. Olhem bem
para estas caras, estas formas do passado. Nada mau
para seres humanos. Pode dizer-se que sim.
***
vítor nogueira
*
as formas de conhecer-te são só duas
ou três; esta é a que demora mais tempo.
a chuva parou e continuamos distraídos neste
amor de cabotagem, nunca demasiado
longe ou perto da carne e dos órgãos que uma
abóbada de ossos protege. cumprimos
a liturgia das horas, repetida sem convicção ou
eficácia, e por vezes as palavras começam
a fazer sentido, como os gestos com que
te aproximo de mim, com uma só mão
e algum sono. uma navegação lenta,
familiar e confortável, porque
essa é a melhor forma de te conhecer
os dedos e o modo como os usas
para fazer tranças às horas, como quem
tece cabelos ou desfia um rosário
sem murmúrios, apenas a técnica de rodar
terços e mistérios no fundo da mão
para entreter os pretendentes e
esperar que eu regresse das longas
viagens - dez anos de cada vez -
em que me ausento sem sair de casa.
esta tarde estive em Lisboa e trago-te maçãs
vermelhas de uma mercearia da rua dos Lusíadas,
com as quais tenciono adormecer-te (como
na história que contamos todas as noites), porque
é essa a única forma de te conhecer
os medos e interpretar os sonhos, escrever
ao teu lado, enquanto dormes, a lista
das tarefas diárias com que nos ocupamos a
matar o tempo.
***
tiago araújo
*
Há muito que regressara da viagem
que o conduzia a paisagens onde,
de tão varrida, a linguagem já não
sabia onde se situar na literatura.
Com isso o que aprendera?
Hoje, tinha dificuldade em acreditar
que o quarto que lhe servia de vigia
o poderia salvar do naufrágio por
que se salda qualquer tentativa
de compromisso com o futuro.
Não eram ventos adversos,
ou correntes, mas o estômago
que se resolvia de cada vez
que a mão tocava as asperezas
do fundo. Era assim que queria
ser lido: como um pensamento
que encrespa as imagens e lhes
comunica a energia que, por
escrito, pareciam já ter perdido.
Guardariam as letras o fulgor
do tesouro que hoje, como ruína,
lhe era devolvido? Restaria
outra alternativa que não fosse
a do crime? Quando regressávamos,
as palavras de que nos servíamos
já não tinham qualquer cotação
e uma dúvida perseguia-me:
para se certificar do vazio
valeu sequer a pena ter partido?
***
théodore fraenckel
*
O meu gato branco gosta de brincar
com os papéis amachucados
que deito no lixo. Tira-os do caixote
e esconde-os no odor dos ratos, nos vasos
de flores, pelo quintal. Já fiz desaparecer
muitos poemas que não gostava
assim, sem indícios.
***
teresa jardim
funchal, 1960
*
Explode:
as mãos traçam um som insuportável:
a história pára nesse gesto
mas recomeça um pouco mais à frente.
O que sobra de um corpo
é a silenciosa queda dos destroços.
O trigo escurece, as rêses comem a própria carne,
e os gafanhotos anunciam a manhã do ódio:
o desenho do tempo fica dia a dia mais nítido.
os vidros resguardam-se do clamor
e nos vasos de begónias floresce o néon.
Sentado à secretária, o homem risca uma palavra,
leva as mãos aos lábios
medita,
e reescreve a morte.
como se diz este último resíduo,
estes corpos que irradiam morte,
o anónimo de uma luz insuportável?
como se diz uma palavra
meticulosamente destruída,
estes sons desavindos?
ou uma criança que não sabe correr?
a eternidade é a bebedeira dos desesperados:
viagem rápida, dia em estilhas
que acaba em três ou quatro gotas
no vidro da janela:
insectos esborrachados contra um pára-brisas.
é preciso decifrar os escombros.
***
rui nunes
*
Dois homens trazem consigo
a sombra de uma conversa
com uma cidade por detrás.
O que dizem não se ergue na forma de uma voz.
É o vento, a margem d'água e o ranger
da própria cidade quem termina
o que se podiam dizer.
Há uma reserva nas suas palavras,
uma conclusão suspensa por cumprir.
Ao mesmo tempo, a névoa ergue-se
sobre a hora em que se encontram
e que nunca poderá ser a nossa.
Dois pássaros cruzam-se
em direcções opostas.
Levam uma esperança sem tempo,
perdida.
O que destes homens resta
na forma de um voo ou de uma solidão.
Uma forma sensível de exercer a distância.
***
rui miguel ribeiro
*
19 de abril 2013
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