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dias debaixo da força das raízes.
sesteando
a lonjura de um infinito menor.
a gramática cresce para silêncio
e é a sensatez que encontra
o título da antítese.
um outro ser ganha o desejo
de um outro.
a sensibilidade é uma questão
de sim ou não.
os dias morrem em varandas
de não casas.
e eu sou um pouco de todos os nadas.
com o caroço de todo o capricho,
a ferramenta de todo o prazer.
***
.
sylvia beirute
*
gosto de bolo de milho
e nada é mais simples que isto
a minha varanda vai aumentando todos os dias para o mar
não sei quantas outras varandas com velas cá chegaram
sei que as espero como um Índio de pernas cruzadas
que aceita trocar
posso entender olhos em caras muito longe
e na dúvida sei dobrar
as sobrancelhas à volta da terra
é que está tudo tão quieto aqui
depois de guerras se comerem sozinhas
pedras arderem no espaço
e células codificarem operações militares
que não me cabe a mim perguntar
só deixar o colapso acontecer
no que muito bem lhe apetecer
como este bolo de milho
tão simples de gostar
***
joana espain
*
Duas peras sobre a mesa
esperam a tua fome.
O dia é verde
e o vento tem cores provisórias.
Sobre o muro
um pássaro mudo
de olhar escuro
perscruta a tua sombra
Ele sabe
que ninguém sabe
em que azul
ocultas
teu absurdo.
***
maria esther maciel
patos de minas (MG), 1963
*
Um dia deixarei para sempre o casaco no cabide da entrada
outras mãos que não as minhas haverá para o recolher
outros olhos pelos meus lhe hão-de fitar depois a ausência.
Depois, nem isso.
Há um momento em que se estende a toalha sobre a mesa dos mortos
como se tivesse sido sempre a mesa dos vivos. Esse dia virá.
Tudo então estará certo e limpo como o esquecimento.
Ou quase assim.
Dispo agora toda esta roupa e escrevo
- sem frio nem perda nem desastre -
a partir desse dia que virá, esse dia depois de mim:
lírios crescem no acaso vivo da relva
uma leve poeira se acrescenta ao ar que não respiro.
***
rosa maria martelo
vila nova de gaia, 1957
*
Algo que me envolve
e me embala em ti
encanta-me quando me não sentes
Clareza da alma
para a vida
A minha outra face ainda é defeito,
trovão sobre as estrelas
extinguindo-se em tua luz.
A filha que me habita
eterniza-te
Tenho o amor que me emprestas,
escuridão grávida de luz
embrião de sangue no mar,
segreda-se
sempre que o teu barco respira
para mim.
***
sara l. miranda
*
Há nuvens para tudo
para todos os gostos.
Ou barcos parados
no céu ondulado
dastardes de Agosto
ou lenços rasgados pelos nervos do vento dum maio indisposto.
***
José Fanha (1951)
Lisboa - Portugal
A mosca prepara cuidadosamente o momento da morte
e uma pedra amnésica recolhe-se a meio do abismo,
enquanto o canastro de argila se desfaz
em todos os segundos.
A velhice entra-nos pelo quarto,
como um parente indesejado
e um pedaço de céu purpurino desaba
sobre o último verso vivo que permanecia na estante.
De nada me adianta continuar a calar a solidão
no interior das palavras
se o sangue que ainda me resta
está ocupado a irrigar o passado.
Nada a fazer: a paisagem adormece
debaixo do musgo que arde pelas imensas memórias
e o palco prepara sozinho o último cenário,
quando os artistas anunciam o fim da peça.
***
sara costa
*
Árvore de tronco fino
enraizei.
À terra-mãe minhas garras
me seguram.
De seu útero negro me alimento.
Mas meus braços-ramos
meus dedos-folhas a recusam,
implorando do espaço aberto
saciedade.
***
fernanda frazão
*
Sento-me na varanda
quando são de seda
as tardes de Verão.
A cadeira balouçante na brisa,
perdidos os olhos, a memória e os sentidos
no perfil azul-sombrio da Serra do Marão.
Contudo,
terra minha mais do que Maranus
e Britiande, em Lamego,
é Gaia, a biosfera,
lápis-lazúli de ânsia
em que vogam, gigantes,
as Victoria regia das estrelas.
E mais terra ainda do que essas
é a secura desta falta de sementes
amara duna
o nada florir a nascente
além da vinha e dos pomares
como reconhecida cultura.
Vai morrendo lentamente a esperança
e sei que somos nós o parasita
terra que à terra volveremos
sem o bombom de um novo ab initio.
Numa qualquer tarde sem ar limpo
nem límpida transfusão da luz
pela vidraça de fumo atmosfera
mergulharemos no nada como o precipício
em que se aterra sob o seu próprio peso
o céu outrora anil-olímpico
agora da saudade o xaile verde.
Do pó ao pó – eis a Terra.
***
maria estela guedes
*
As mãos cobrem a terra nos lábios
rarefeitos - a ténue emoção do rosto
rarefeitas - as mãos cobrem a boca
na água nocturna
no sucalco
as mães gritam aos penhascos
com a barriga exangue
o húmus cavernoso
há o sal a pairar na terra
e a tocha abre o córtex
com um pedaço de sombra sobre o corpo
recôndito - um espasmo sobe as pernas
como a meia-noite em esperma
esquece-se a mênstrua saia do mundo
***
carlos vinagre
*
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