Vinda de um fumundo espesso e incompreensível
a lua pulsa como um coração negro pintado
A cada pulsação avança no écran da noite
até chegar a sobrevoar a esplendente superfície do mar
que assim finalmente entra em palco
Um milhão de fogos cintilantes e frios iluminam
essa cena- uma massiva queda de estrelas
que a mesma lua projecta
sobre a memória das grandes ondas oceânicas
Há depois um daqueles instantes
em que uma veloz cadeia de coincidências antecipa
para ti a leve e inconsequente saudação da morte:
A lua transforma as vagas nuvens que por baixo dela navegam
nos cumes nevados de grandes montanhas pálidas -
pedra branca e cinza - Uma neve
que irradiasse uma neblina azulada
Como se a lua, ecoando a terra
nos céus imitasse uma paisagem terrestre
***
manuel gusmão
évora, 1945
*
Vidro, muito vidro
moído.
Consumido
vagarosamente.
A melhor dieta
para tornar o poeta
transparente.
***
cláudio lima
ponte de lima, 1943
*
Escrevi milhares de versos
para esquecer. Amei algumas mulheres
para lembrar. Agora já posso dizer
o som em carne viva.
A cidade assemelha-se a um acampamento
abandonado no deserto. Os nómadas
partiram nos seus camelos, com provisão
de tâmaras e água.
Há restos de detritos, sinais de trânsito,
folhas arrancadas a revistas pornográficas,
ao sabor do vento, por entre pétalas
sêcas de flores mortas.
Há resíduos de sítios onde estive contigo,
fragmentos de versos de vidro, tudo
muito nítido, anotado, vincado a oiro.
***
antónio barahona
*
Murmuro o teu nome ao rés da relva
Murmuro-o
Em diagonal da terra ao céu azul
Radiante
Felicíssimo
Não entendo nada
***
alberto de lacerda
*
Talvez escreva
poemas
que já li
que outros já escreveram
que eu mesma já escrevi
esqueço-me
da minha vida
***
adília lopes
*
As longas avenidas talvez imaginárias
demonstram-me a existência de lugares
que poderiam ter-me pertencido
numa idade passada; é irreal
agora percorê-las: tê-lo-ia
sido sempre, não poderia haver
motivo para dor num tempo qu ecom este
presente se divide; é um espectro tardio
o espaço finalmente criado pelo olhar:
aí estás olhando-me nos olhos
cidade sob a forma de jovem ser unívoco
ainda inexistente no tempo de uma vida
vivendo no espaço que não teve o seu tempo,
e tarde volta do tempo onde não esteve
***
gastão cruz
*
sei esta paisagem de cor por outras coisas: coisas-nada ou coisas-vinho
sei o tempo que escorre para lá da folha de papel e se derrete,
até aos dedos dos pés,
como um acabar lento de espaço e de melancolia.
há um apagar de horas sobre a mesa de centro,
conto os anos que faltam para avistar a solidão e caminho,
e prendo entre os fios de cabelo a recordação de um final de dia com sabor a azul.
vi em postais gastos de sépia e de esperança, este esplendor de sufoco e de vida:
um caminho estreito ladeado de ciprestes, desembocando numa casa em ruína.
soube os meus braços pendendo das janelas da casa,
>e os meus joelhos no lugar das fundações;
a minha cabeça era um telhado quebrado pelo vento
e os meus olhos ninho de um qualquer ser esvoaçante de passagem sazonal.
***
marlene jabouille
lisboa, 1987
*
Moléculas de sonho, som de água.
No instante preciso a pedra transforma-se
e derrete o ser dos mais fortes corações
na passagem unida das arestas,
no puro sentido das palavras.
É de rocha,
tenra e firme rocha,
a senda solidária
gravada no único sentido
da corrente sensitiva.
Paz guardada no canto das aves,
na cachoeira verde
e nas palavras.
A esperança do mundo é uma mão.
***
iolanda aldrei
compostela, 1968
*
Ningunha psiquiatra,
nin psicóloga,
nin neuróloga,
ningunha delas,
pode saber o que eu teño na cabeza.
Así que, que non mo conten tan lentamente,
que xa non me importa o que diga a xente,
e o que vive no mundo que eu creei,
ben sei eu o que é.
O que vive na miña cabeza,
nace e crece cando a min me peta,
porque non existe outro xeito de explicar esta vida,
este mundo de mentiras,
e, necesito algunha peza máis,
que una as pezas da mentira ,
que me deron no nacer,
que regaláronme tódolos días para,
así, facerme desaparecer.
E agora, eu soamente uno,
Peza a peza,
mentira a mentira,
e creo novas pezas da mentira,
para facer que as primeiras pezas coincidan,
formando metáforas que tranquilicen a miña cabeza ferida.
***
iria bragado de jesús
vigo, 1985
*
fernando luis pérez poza
pontevedra, 1958
*
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