1. Desmarquei todas as consultas
para não saber a data precisa da minha morte
2. e para não ter de renovar
o guarda-roupa
3. a cor das paredes ficou fantástica
não fora a cegueira das mãos
4. os manuais escolares os jornais e
as revistas velhas não couberam no papelão
5. as estantes da sala não celebraram ainda
o milagre da ressurreição
6. os brinquedos do quarto do espelho
continuam à espera de pilhas novas
7. as velas deixaram de contar
o fogo que as silenciou
8. e as flores que entretanto murcharam
também.
***
ademar santos
braga, 1952 - 2010
*
Imaginar la eternidad
desde la terraza
de un décimo piso.
Las palabras tienen el vértigo
que sientes
al divisar la muerte desde arriba.
El eco chirría,
nunca el silencio
fue tan revelador.
Somos cáscara,
algo que cuelga con pinzas
en el tendedero,
movidos por el aire,
hartos de tanto miedo.
***
sara herrera peralta
jerez de la frontera, 1980
*
Vem-me à tona o chão de lages escurecido - as luzes da noite - e do alto do céu o atelier - de ardósia irrevogável - Choviscava - tinha trinta e cinco anos - Na velha torre - de pedra e cal - ao longo da duna - vi o acaso rubro - sobre o mar verde e os relâmpagos reflectidos - Que se me evoca a convulsão e a árvore do júbilo - Entre as tendas da praia - junto à falésia - no rasto da luz prateada - a voz do inominado.
***
alexandre teixeira mendes
refojos, 1959
*
***
elisabete pires monteiro
sully-sur-loire, 1974
*
Falaise
Il me vient au dessus le plancher de dalles noircies - les lumiéres de la nuit - et du sommet du ciel - l'atelier - d'ardoise irrévocable - Il ne pleuvait - jávais trente cinq ans - Dans la vieille tour - de pierre et de chaux - au long de la lune - jái vu l'horizon pourpre - sur la mer et les éclairs réfléchis - Qui m'invoque la convulsion et l'arbre de la réjouissance - Entre les tentes de la plage - prés de la falaise - sur la trace de la lumiére argentée - la voix de l'innominé.
[trad. elisabete pires monteiro]
Estavas onde os anjos devem estar:
sob as arcadas, nos portais, no crepúsculo
morno dos alpendres sobre a praia,
e se tinhas asas eram transparentes e velozes
como as dos insectos que o vento arrasta
para a indecifrável perdição das noites.
suponho que me vigiavas como se vigiam,
na solidão do Outono, os moribundos,
não porque cobiçasses a minha alma
ou o silêncio lunar das minhas queixas
entre o queijo e as uvas das tardias ceias,
Vinhas dos gelos das catedrais, muito longe,
dos sótãos do assombro das lendas,
e voavas sempre, entre a margem
e as copas das árvores sem nome.
E eu que te chamava anjo em nada crendo,
segui o teu rasto através da areia
e nem à boca das estrelas revelei o teu nome.
***
josé jorge letria
cascais, 1951
*
carlos vinagre
*
o bote do azucre
este bote
porque nunca o nomeamos mellor
é cárcere de vidro de conversas e favores dos vecinos insomnes
director do preludio para ferrada e pocillos
eles saben do que falo
do bote ó que lle comemos a médula a culleradas sen respiro
cadáver que enterramos en doce para non ulilo a podrecer
velo descarnar sabelo falando
entre as follas de caña pechadas ó vacío
é a hora do café para o inquilino alúgame ti un pouco de cariño
gústame porque hai pouco que viñestes
que aínda está
a culleriña dentro.
***
maria lado
cee (a coruña), 1978
*
desenha com a ponta dos teus dedos
as fronteiras exactas do meu rosto
as rugas os sinais a cicatriz que ficou da infância
o lento sulco das lâminas onde no peito
se enterra o mistério do amor
e diz-me
o que de mim amaste noutros corpos
noutras camas moutra pele
porometo que não choro mas repete
as palavras um dia minhas que sem querer
misturaste nas tuas e levaste
com as chaves da casa e os documentos do carro
- e largaste sobre a mesa com o copo de gin a meio
na primeira madrugada em que me esqueceste
***
alice vieira
lisboa, 1942
*
Soy la mirada indiscreta que repasa a tus padres,
la falda de la última amiga de la lista,
los rizos del poeta escarmentado,
las manos de quien más me importa.
Después me hago pasar por un vaso de cristal
y apenas sin darme cuenta
me hago añicos a seis por ocho.
Nadie en esa sala padece ni un mísero corte,
ni tan siquiera un rasguño
a pesar de golpearse contra mí, de pisarme...
No se dan cuenta, no sienten
y presumen de ganarse la vida con ello.
Soy la mirada indiscreta que apunta a tus padres;
los repaso con un ritmo acelerado
mientras, casi al mismo tiempo, soy un vaso de cristal.
Cuando deja de sonar la música
eres tú quien sangra mis heridas
porque estoy empeñada en mutilarme
revolcada en cristales viejos
y sólo una buena cola
puede reparar al vaso suicida...
esta vez a dos por cuatro.
***
almudena vidorreta
zaragoza, 1986
*
Sou o olhar indiscreto que examina teus pais,
a saia da última amiga da lista,
o riso do poeta ,
as mãos de quem mais me importa .
Então faço-me passar por um copo de cristal
e quase sem me aperceber
desfaço-me em pedaços de seis dos oito.
Ninguém naquela sala sofre um mísero corte
nem sequer um arranhão
apesar de esbarrar contra mim, de me pisar ...
Não se apercebem, não sentem
e presumem com isso ganhar a vida.
Sou o olhar indiscreto apontando a teus pais;
examino-os em ritmo acelerado
enquanto, quase ao mesmo tempo, sou um copo de cristal.
Quando a música pára de tocar
és tu quem sangra minhas feridas
porque estou empenhada em mutilar-me
espojada em vidros velhos
e apenas uma boa cola
pode reparar o copo suícida ...
desta vez em dois por quatro.
[trad-cas]
I
la casa que compré me dijeron
fue la casa de los sordos
donde la madre murió enferma en una pieza
cuando ella se marchó todos se fueron
dejando la casa intacta
me recibió la ropa de la muerta en el ropero
sus fotos enmarcadas en la pared
las cremas de belleza vencidas en el botiquín del baño
voy a vaciar esta casa
voy a abrir los cajones hurgar detrás
las casa de los sordos
será mi casa
las piedras de Gretel siempre dieron
con un bolsillo agujereado
***
viviana abnur
buenos aires, 1964
*
*
*
Os surdos
I
a casa que comprei, disseram-me,
foi a casa dos surdos
onde, numa sala, morreu a mãe doente
quando ela partiu todos se foram
deixando a casa intacta
recebida pela roupa da morta no armário
suas fotos emolduradas na parede
os velhos cremes de beleza no armário da casa de banho
vou esvaziar a casa
vou abrir as gavetas espreitar por trás
a casa dos surdos
será a minha casa
as pedras de Gretel sempre deram
com um bolso esburacado
[trad: cas]
Mas para que serve o pássaro?
Nós o contemplamos inerte.
Nós o tocamos no mágico fulgor das penas.
De que serve o pássaro se
desnaturado o possuímos?
O que era voo e eis
que é concreção letal e cor
paralisada, íris silente, nítido,
o que era infinito e eis
que é peso e forma, verbo fixado, lúdico
O que era pássaro e é
o objeto: jogo
de uma inocência que
o contempla e revive
— criança que tateia
no pássaro um
esquema de distâncias —
mas para que serve o pássaro?
O pássaro não serve. Arrítmicas
brandas asas repousam.
***
orides fontela
s. joão da boa vista (SP), 1940 - 1998
*
adelia prado(5)
adilia lopes(8)
al berto(6)
alba mendez(4)
anxos romeo(4)
augusto gil(4)
aurelino costa(11)
baldo ramos(6)
carlos vinagre(13)
daniel maia - pinto rodrigues(4)
fatima vale(10)
gastão cruz(5)
jaime rocha(5)
joana espain(10)
jose afonso(5)
jose regio(4)
maite dono(5)
manolo pipas(6)
maria lado(6)
mia couto(8)
miguel torga(4)
nuno judice(8)
olga novo(17)
pedro mexia(5)
pedro tamen(4)
sophia mello breyner andressen(7)
sylvia beirute(11)
tiago araujo(5)
yolanda castaño(10)
leitores amigos
leituras minhas
leituras interrompidas