Não há morte que não dedilhe
nesta pedra
de seco arbusto
de nós.
Lassidão, temor, rosas pregadas.
(E eu disse entretanto;)
Rosas esmaecidas
diante das lágrimas do Filho e
desde sempre a sofrer.
***
josé emílio-nelson
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Incompatibilidade com o que,
fora de nós, é contemplação
ou, apenas, o desaire
que a ironia veste.
Semelhar o desejo em cor,
o esplendor
de uma folha se cai,
e não é outono.
Um gesto arde no vazio,
de sobreaviso
à desatenção. Agulhas
que a memória
desdobra,
a sépia e veneno
***
helga moreira
********************
Há uma cidade sem mar em que procuro uma praia.
Os homens chegam. Não despertaram as casas
e já tomo nos braços o meu vazio. Eles dizem:
- «Procurámos a sombra de uma mulher.»
Durante toda a manhã as portas franqueadas
deixaram entrar toda a espécie de gente.
Na multidão um vagabundo chama o meu nome.
Não sei que responda. Passou demasiado tempo.
Os exércitos arrebataram o triunfo.
Amontoaram os cadáveres no silêncio.
Pela minha vigília o pesadelo alastra.
Há demasiado sangue nestes epitáfios.
Pouco tenho a dizer.
O eco subverte o clarão no horizonte
quando a pira está pronta para o sacrifício.
A inquietação é agora a minha alma.
Em nome da beleza a praia não existe.
A sombra procurada é só uma miragem.
O auriga avança no firmamento.
Pelo meu nome a cinza é um ser vivente.
***
amadeu baptista
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De vez em quando a insónia vibra com a nitidez
dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se
ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insupor-
tável.
No segundo caso, o homem que não dorme pensa:
"o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim,
deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais
gasta do meu corpo, esmagar o coração".
***
carlos de oliveira
***********************+
A Joaquim de Araújo
Feliz de quem passou, por entre a mágoa
E as paixões da existência tumultuosa,
inconsciente, como passa a rosa.
E leve como a sombra sobre a água.
Era-te a vida um sonho, indefinido
E ténue, mas suave e transparente...
Acordaste... sorridente... e vagamente
Continuaste o sonho interrompido.
***
antero de quental
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como nun maldito canto
verso a verso sen palabras
vas enchendo o teu capacho
voluntaria de mougás
cando baixan as marés
pedra a pedra sen descanso
vas raspando mil mentiras
voluntaria de figueiras
e pra rua tes que ir
paso a paso reclamando
o teu dereito a limpar
de ribeira voluntaria
cando levantas os ollos
cabo a cabo pasan barcos
con chapapote asasino
de karnota voluntaria
nesta costa que xa é vosa
dia a dia dignidade
vai vencendo ao pesadelo
de muxia voluntaria
e no traxe tes escrito
letra a letra en chapapote
con protesta e con promessa
voluntaria nunca mais
***
manolo pipas
*******************
Pasto branco
potro bravo
corpo a corpo
corre o certo
tempo incerto
de um corisco
Pasto e cobra
rosto franco
na empreitada:
febre e fogo
nesse jogo
de encontrar-se
Pasto e potro
rasto e sono
em breve trato:
rosto acorda
laço e corda
desatados
Pasto grave
tenso rosto:
cobra-cobra
se consome
na empreitada
re-presada
Pasto franco
rosto breve
fogo e risco
fome e riso
no improviso
desse jogo
Pasto bravo
potro branco
corpo a corpo:
na campina
o potro: a crina
engalanada.
***
zila mamede
********************
Mas vejam que miséria quando o clube
perde em casa, quando chove no molhado
do recreio a tarde toda, quando o carteiro
faz greve e o outono se insinua -
vejam que miséria este défice de razões
para pôr em movimento a roda perra
do dia, esta pomba trucidada pela ambulância
que guina, enquanto o vizinho almoça e o poeta
transfigura - mas vejam que miséria
quando a arte não resgata e a orquestra
não anima e o amor torna mais árdua
a triste faina da vida.
***
rui pires cabral
macedo de cavaleiros, 1967
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