Quarta-feira, 30 de Junho de 2010
o excesso do real num jogo ótico de luz e sombra


 

Um cavalo corre no campo cerebral de Muybridge

que captura suas articulações

por não aguentar a efemeridade do seu galope

congelando o movimento primórdio do animal

tecno-cientificamente classificado

como um eqüino imortalizado

 

Muybridge

a fim de descobrir a lógica no místico

eternizou o fascínio na luz da razão

a mesma razão que o enganou

quando apertou o gatilho da espingarda

contra o amante de sua mulher

 

como se além de ter capturado o corpo físico

tivesse guardado também

o instinto do objeto fotografado

cuja natureza era demasiado forte

para o seu intelecto visionário

de homem duplamente traído.

 

***

 

camila vardarac

 

(rio de Janeiro, 1987)

 

*************************


lido em: http://www.cronopios.com.br/site/poesia.asp?id=3918

publicado por carlossilva às 12:25
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Terça-feira, 29 de Junho de 2010
escrevo-te a sentir tudo isto


Habito nestes livros de poesia por engano,
eu não pertenço à floresta
onde se inventou o fogo
e se troça dos deuses obscuros
domesticando a sílaba dos cavalos
nocturnos
que enrolam as líticas patas do bronze
para além da boca das chuvas,


nada mais desfruto do que a cabeça do tempo,
aí cavo a lucidez dos olhos
da meretriz dos rumores sangrentos
a finitude visceral na injunção do gáudio
em que as mães se extinguem
consanguíneas
sob a abismada ortografia da água
tragando o contágio dos precipícios,


enxerga como o coração fica sombrio e áspero,
o insaciável tacto da separação fervilha
entre livros e coração
o leilão do amor que apazigua a aporia da dor
buscando outra flor outra memória
inominável
a acerba tinta, sangue e corpo
entre formas vulgares e distintas de amar,


e não podendo guardar todas as promessas
sacrificar-me-ei como o cordeiro
em base de alabastro sagrado
com meus ais de guelras inclinadas
sob a inexequível amplitude do verbo
entre a metáfora do relâmpago,


pois livros e mães jazerão então inaudíveis
em sua feroz melancolia
tresmalhados nos seios da tempestade
como sulfurosa fragrância de infindas concubinas.

 

***

 

joão rasteiro

 

(coimbra, 1965)

 

*******************


lido em: https://sites.google.com/site/nasmargensdapoesia/poetas/joao

publicado por carlossilva às 11:25
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Segunda-feira, 28 de Junho de 2010
castielho de Outeiro
al loinge, yá nun s'adebina castielho:
solo piquetes de peinha que l tiempo aguçou,
bózios sumidos antre nubrina i negro;
inda eilhi relhúzen rábias, fames,
mas nien un retombo de suonhos s'oube,
todo antregue al çprézio dua risada:
naciu d'uolho na lhinha dua raia de que
naide quier saber, cumo el apagada,
spina drobada an sue altibeç de piedra;
doura l cabeço l mesmo sol de siempre,
mas nien ua centinela pa l recebir;
la serpiente de la bielha strada cuntina
anroscada an sues rebuoltas, andefrente,
tamien eilha abandonada, sien carros;
perdido cumigo inda spero un cantoneiro

a peinar la baleta, que lhebante la mano
nun saludo arrincado a l'aba de l chapeu.

 

***

amadeu ferreira

 

(sendin, 1950)

 

**********************



lido em: http://lhengua.blogspot.com/

publicado por carlossilva às 14:08
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Domingo, 27 de Junho de 2010
a lenda do homem-algo

 

Parte de mim está vestida a rigor para o diálogo
e leva rosas na lapela e supernovas no epitélio
lingual e chocolates na mansidão para a sua amada.
A outra parte recebe estes presentes todos
ao pormenor no conforto de sua casa.
Depois escreve uma carta que a primeira parte
não pode nem ousa decifrar.
A primeira parte de mim parte-se em bocados e chora,
e o choro mancha-lhe a elegância, murcha-lhe as rosas,
apaga-lhe as supernovas e desmancha os chocolates.
Uma vez nua e consternada, a minha primeira parte
resolve mais uma vez contra-atacar
e usar a sua nudez e a sua consternação
a favor do bem comum e da lógica indivisa das galáxias
mas a minha outra parte e o seu universo continuam
em contracção e eu, aproveitando o intervalo
e o debate aceso entre o governo e a oposição,
tomo o partido do que está a mais
e um comprimido da classe dos inevitáveis
e vou-me deitar.

 

***

 

andré domingues

 

(porto, 1975)

 

*************************


lido em: http://doamormau.blogspot.com/

publicado por carlossilva às 22:20
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Sábado, 26 de Junho de 2010
ave

 

Seria um pássaro

 

No sono das asas

ondulava

toda a solidão do céu

 

Terrestre,

só a fugitiva sombra

 

Paisagem nenhuma

lhe dava abrigo

 

Pousado,

o corpo

de si mesmo exilava

 

Nos ensinava

a deslumbrância da viagem

a nós que só na morte

olharemos os céus de frente

 

***

 

mia couto

 

(beira, 1955)

 

****************


lido em: Raiz de Orvalho e Outros Poemas
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publicado por carlossilva às 17:12
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Sexta-feira, 25 de Junho de 2010
não existimos

 


 

Vamos fazer de conta que foi tudo

mero  fruto da nossa solidão

e o planeta rodou solene e mudo

na ignorância de sermos ou não

ousados cavaleiros do momento

a galope no próprio pensamento.

 

Vamos fazer de conta que chegámos

de outra galáxia ou outro continente

e alheios e temerários ancorámos

no cais erguido algures contra a corrente

de ideias feitas, modas, preconceitos

e mais normas e regras e preceitos.

 

Vamos fazer de conta que surgimos

do nada para o nada desta hora

e olhando à nossa volta sem demora

soubemos que afinal não existimos.

 

***

 

torquato da luz

 

(silves, 1943)

 

***********************


lido em: https://sites.google.com/site/nasmargensdapoesia/poetas/torq

publicado por carlossilva às 11:16
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Terça-feira, 22 de Junho de 2010
tontura

***

 

ernesto melo e castro

 

(covilhã, 1932)

 

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lido em: http://www.triplov.com/4Bienal_de_Poesia/index.htm

publicado por carlossilva às 15:11
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Segunda-feira, 21 de Junho de 2010
ave extrema

Já não leio versos, digo, livros

escrevo o que vem com o hálito da espuma

um sinal vindo de terra que movimenta o espaço

constrói na boca um vocábulo de ar por cima

um não falar de coisa alguma mas o que está por baixo

e no entanto há um pássaro na língua que adeja numa asa azul

versos são sementes plantadas em hortos de chumbo

livros, frutos apodrecidos em alheias mãos

sou ave extrema que humilha o céu no chão

***

maria azenha

(coimbra, 1945)


***************************

 



lido em: https://sites.google.com/site/nasmargensdapoesia/poetas/mari

publicado por carlossilva às 10:40
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Domingo, 20 de Junho de 2010
no dia da morte de jose saramago {poema de homenagem}

 

 

agora, livre da coadjuvância das afectações: os
deuses se escondem nas artérias do teu
silêncio, na tua fraqueza perfeita porque
sem o hábito de se auto-observar.
voltaste a ti: numa outra intermitência da morte, com
o sublime que é tudo aquilo que ignora um todo e
conduz uma perspectiva até ao quociente interno
de uma invisibilidade que fala através
do teu questionário incicatrizável.
e daí tudo vês: vês-me faltar de propósito à
conclusão do meu poema, vês o peso
da omnipresença do abstracto, da hora antiga,
vês as minhas infâncias e urgências juntas e tar-
dando hoje em se converterem, devolvendo-me
ao que eu era: ao início do dia.

***
sylvia beirute

(faro, 1984)

******************************

 



lido em: http://sylviabeirute.blogspot.com/

publicado por carlossilva às 13:43
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Sábado, 19 de Junho de 2010
«pois o tempo não pára...»

 

Pois o tempo não pára, nem importa

Que vividos os dias se aproximem

O copo de água amarga colocado

Onde a sede da vida se exaspera.

 

Não contemos os dias que passaram:

Hoje foi que nascemos. Só agora

A vida começou, e, longe ainda,

Pode a morte cansar à nossa espera.

 

***

 

josé saramago

 

(golegã, 1922 - 2010)

 

*****************************


lido em: Os Poemas Possíveis

publicado por carlossilva às 01:43
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