Batem à porta de noite.
Vou abrir. Ninguém entrou.
Entra uma nuvem de gritos,
Um relâmpago de pranto.
Sobem a escada. E entretanto
Dizem que são quem eu sou.
***
Natércia Freire
Benavente (1920 - 2004)
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Diziam-se as palavras que já sabes,
mas também se dizia o indizível.
Diziam-se estes prumos e as traves,
mas também os pregos que os uniam.
Dizia-se o prazer de algumas frases,
mas também o bolor que se estendia
a vozes de comando e a discursos
retóricos, arrebatados.
***
João Rui de Sousa
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O bom amigo das cores
Chora pérola e carmim. Não conhece a laurissilva
Nada sabe do alecrim. Ideou uma catedral
A deuses policromados
Em custódias de âmbar mole
& graais de azul-sulfato. Nada em chávenas
Turquesa com peixes azul-de-prússia;
O corpo ondulante e opala
Desmaia em brancuras de marquesa.
Cobre a cabeça aos deuses
Com elmo cúpreo-acintoso. Emite azul, amarelo
& preto - ais da calda bordalesa.
O meu grande amor opaco
Chora em palco de corais
& eu limpo-lhe a cara com os dedos
Vermelhos de cochinilha. Deus do azul, do
Amarelo & da juvenil verdura
Com que tantas mantas de pintam,
Ele é de+cor por ser gramado.
***
Maria Estela Guedes
Britiande (Lamego) - 1947
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a exaltação do mínimo
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
o meu esplendor
Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala-
A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdida na tempestade,
um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim
***
Luiza Neto Jorge
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A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
o meu resplendor.
.
Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária,e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala.
A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade,
um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.
***
Luiza Neto Jorge
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Na tua boca cantou subitamente uma voz.
E, ao dizeres o meu nome na rede de um abraço,
o rio que outrora bordava o campo emudeceu
com as suas pedras lisas. Então, foi possível
ouvir o vento soprar nas asas das borboletas
e os lagartos recolherem-se nos veios dos muros
e o sol ferir-se nos espinhos das roseiras.
Sobre a colina quente passou uma nuvem
e uma ave poisou, perplexa, no fio do horizonte -
por um instante, o dia mostrou as suas pálpebras tristes;
e, na brancura cega desse entardecer, a tua mão
escorregou pela inclinação do sol e veio contar
as sombras no meu decote.
São assim as mais pequenas histórias do mundo.
***
Maria do Rosário Pedreira
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Como se ontem e os dias antes de ontem
se tivessem desfeito sobre as prateleiras,
como se pudéssemos escrever palavras
nas suas cinzas com a ponta do dedo,
como se bastasse soprar para vermos
as suas imagens de novo, numa nuvem.
***
José Luís Peixoto
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Não sei de amor senão o amor perdido
o amor que só se tem de nunca o ter
procuro em cada corpo o nunca tido
e é esse que não pára de doer.
Não sei de amor senão o amor ferido
de tanto te encontrar e te perder.
não sei de amor senão o não ter tido
teu corpo que não cesso de perder
nem de outro modo sei se tem sentido
este amor que só vive de não ter
o teu corpo que é meu porque perdido
não sei de amor senão esse doer.
Não sei de amor senão esse perder
teu corpo tão sem ti e nunca tido
para sempre só meu de nunca o ter
teu corpo que me dói no corpo ferido
onde não deixou nunca de doer
não sei de amor senão o amor perdido
Não sei de amor senão o sem sentido
sete amor que não morre por morrer
o teu corpo tão nu nunca despido
o teu corpo tão vivo de o perder
neste amor que só é de não ter sido
não sei de amor senão esse não ter.
Não sei de amor senão o não haver
amor que dure mais do que o nunca tido.
Há um corpo que não pára de doer
só esse é que não morre de tão perdido
só esse é sempre meu de nunca o ser
não sei de amor senão o amor ferido.
não sei de amor senão o tempo ido
em que amor era amor de puro arder
tudo passa mas não o não ter ido
o teu corpo de ser e de não ser
só esse é meu por nunca ter ardido
não sei de amor senão esse perder.
Cintilante na noite um corpo ferido
só nele de o não ter tido eu hei-de arder
não sei de amor senão amor perdido.
***
Manuel Alegre
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a noite encerra um sonho
que tocamos com dedos de sal
e pelo canto do olho um voo
que se desfaz em surdina
deixando no último vulto
um segredo de asas lúcidas
pulsa agora no rasto de pó
brilhante que introduz o escuro
um certo passo final
e o corpo todo se interroga horizontal
vestindo-se de uma crença antiga
que lhe cobre o descanso
com uma certeza diurna do regresso
***
Pedro Afonso
********************
Só me lembro que atrás de nós havia um morro,
a mata
No centro, a música, o violão
Fazia frio e nuvens
se aqueciam pelo som.
Havia, entre outros,
uma água
um menino cortando cabelo na beira da casa
as tangerinas no pé.
Do grupo, um homem
me perguntava
sobre a melhor forma
de começar um banho
sem reparar no profunda da questão
- Entro devagar
ou de uma vez por todas? perguntou
- Por todas, respondi
Não há céu ou inferno
que comece devagar.
***
Suzana Vargas
Alegrete (RS) - Brasil (1955)
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