Calafetado contra os sonhos, fico
Contigo, prisioneiro dos liames
Que te cercam e cercam o teu rosto,
A tua carne rasgada nos arames.
Extingui-se o apelo da partida...
As quilhas já não sofrem a espuma.
Fico contigo na luta pelo dia
No endurecido leito de caruma.
Tu estás sentada sobre a terra...
Pelas searas corre um vento rude.
Teu corpo é uma espiga amadurecida
Pela água aprisionada do açude.
Corsários acamaradam no mar largo...
Mas do teu caule fino, nasce a ondeia
à minha volta, uma canção serena
Que me prende docemente à sua teia.
***
Egito Gonçalves (1920 - 2001)
Matosinhos
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Florescia
A pionia
De anos em anos, apenas.
Se a primavera
Era
Fria,
Mal se erguia
O caule das açucenas.
Rastejavam as verbenas...
Mas uma flor sempre havia
Que era a que mais rescendia:
Lembras-te, ao dar meio-dia,
Postas, as tuas mãos morenas...?
Às quais sagro esta elegia.
***
José Régio
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Construí-a
irreal
transparente
lúcida esguia um mar
interior na barriga
correias de transmissão nos cabelos
Os anéis de Saturno são a força centri-
fuga centrípeta que lhe agita os braços
no espaço amoroso
Halley o metropolitano
75 milhões de anos-luz atravessam-na da cabeça
à cauda
deito-me com ela todas as noites na via láctea
***
Pedro Oom (1926 - 1974)
Santarém
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A dor não me pertence.
Vive fora de mim, na natureza,
livre como a electricidade.
Carrega os céus de sombra,
entra nas plantas,
desfaz as flores...
Corre nas veias do ar,
atrai aos abismos,
curva os pinheiros...
E em certos momentos de penumbra
iguala-me à paisagem,
surge nos meus olhos
presa a um pássaro a morrer
no céu indiferente.
Mas não choro. Não vale a pena!
A dor não é humana.
***
José Gomes Ferreira
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E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos
***
David Mourão-Ferreira
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Também sei fazer conjecturas.
Há em cada coisa aquilo que ela é que a anima.
Na planta está por fora e é uma ninfa pequena.
No animal é um ser interior longínquo.
No homem é a alma que vive com ele e é já ele.
Nos deuses tem o mesmo tamanho
E o mesmo espaço que o corpo
E é a mesma coisa que o corpo.
Por isso se diz que os deuses nunca morrem.
por isso os deuses não têm corpo e alma
Mas só corpo e são perfeitos.
O corpo é que lhes é a alma
E têm a consciencia na própria carne divina.
***
Alberto Caeiro
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A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem a forma
o meu esplendor.
Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária, e leve a cada um
onde se ecoa e resvala.
A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade,
um mínimo ente magnífico
desfolhando relãmpagos
sobre mim.
***
Luiza Neto Jorge
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Devia olhar o rei
Mas foi o escravo que chegou
Para me semear o corpo de erva rasteira
Devia sentar-me na cadeira ao lado do rei
Mas foi no chão que deixei a marca do meu corpo
Penteei-me para o rei
Mas foi ao escravo que dei as tranças do meu cabelo
O escravo era novo
Tinha um corpo perfeito
As mãos feitas para a taça dos meus seios
Devia olhar o rei
Mas baixei a cabeça
Doce terna
Diante do escravo.
***
Paula Tavares (1952)
Huíla - Angola
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Que maravilha de cor que azul e branco
nos teus ombros de pele alvoroçada!
Que recortada flor nos sedimentos
de um sol nascente e lassidão marcada!
Que distorção correcta e que alimento
de renovada fome enquanto o nada
aparece fortuito enquanto o vento
é cortina de pedra e não nos fala!
Que paz ou sombra... Não - que cumeada
a percorrer com o gesto em desalinho
em confusão de voz desatinada!
O sol está perto e longe do destino
vai-nos encher ou não de flores de vinho
que se esperam em espera tão esperada
***
João Rui de Sousa
Lisboa - 1928
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Em longo se transforma o breve engano,
e o discurso em vento,
e o desejo em medo.
E a esperança
em memória, e o pensamento
em bússola cega
para o mundo.
E em vidro o espelho apaga,
gasto de mágoas e mudanças,
o claro rosto do futuro.
***
Pedro Mexia
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