Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 2009
como ela disse?

 

palavras soletradas

percorrem os ouvidos do mundo

interrompem a respiração e a colocam

no  outdoor da avenida

de nada adianta arfar

sem coragem

bed and breakfast na uriarte

os passantes não atravessam

a rua ela está interrompida

pelo pulso das reticências

 

entre o branco

e o vermelho a pele

se desfaz no sim e

no talvez

 

o elemento surpresa

é o pretexto

e a acção escorrega

pela via paralela

subir a ladeira

por baixo dos carros

me mata a tarde inteira

peço ao faxineiro

uma flor na janela

 

quantas donzelas

se renderam ao feliz

para sempre

lamnendo os dedos de mel

 

disseram

entre um suspiro e

algum ruído

que se sobrepôs

no outdoor

como se fincado

ali houvesse mais que

partículas de desejo.

 

***

Valeska de Aguirre (1973)

Brasil



publicado por carlossilva às 08:45
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Quinta-feira, 19 de Fevereiro de 2009
gravura

 

Ela cabe no meu mundo como um leve toque

de asa no meu rosto

(asa

de um pássaro ver-

melho-batom. Um tom.

um céu ris-

cado em claro tom.

Música de sino de

cidade pequena pequenos di-

minutos dedos velozes

(meu corpo dentro de

um carro luz-me-

tal atravessa

a cidade

quando os

dedos

dela

deslizam.

 

***

Simone Brantes (1963)

Brasil


lido em: Pastilhas brancas

publicado por carlossilva às 08:37
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Quarta-feira, 18 de Fevereiro de 2009
álbum de família

 

Então

ele se sentou

num banquinho

ajeitou

o chapéu de feltro

colocou o filho

mais velho

ao seu lado

e se deixou fotografar

Então

ela se sentou

no murinho

da casa

esticou o vestido

cobrindo os joelhos

sorriu

para a lente

e também

se deixou fotografar

 

***

Heitor Ferraz Mello (1964)

França



publicado por carlossilva às 08:26
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Terça-feira, 17 de Fevereiro de 2009
sob o duplo incêndio

 

Sob o duplo incêndio

da luz e do néon,

 

sobre um parapeito de

mármore, entre duas cortinas

 

jogadas pela brisa marinha

que ao mesmo tempo às suas

 

coxas e costas dispensava

um hálito incontínuo,

 

inundando de rubro o restrito

perímetro de seu jarro em cerâmica

 

e contrastando imemorial com a

transitoriedade de tudo ali

 

hotel, amor, dia, noite, carros,

uma flor alheia a símbolos

 

atingia seu ponto máximo

de beleza.

 

***

Carlito Azevedo (1961)

Rio de Janeiro - Brasil


lido em: Collapsus Linguae

publicado por carlossilva às 09:48
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Segunda-feira, 16 de Fevereiro de 2009
auto-retrato

 

 

A imagem foi surgindo

lentamente

de águas profundas.

A princípio,

eu mesmo estranhei

a nova anatomia.

Aqueles

imensos olhos negros

haviam migrado de outro rosto

em que reconheci

a mandíbula do inimigo.

o predador esquivo

- meu hospedeiro do meu rosto -

desliza elástico

pelas correntes marítimas do espelho.

 

***

Augusto Massi (1959)

São Paulo - Brasil


lido em: A vida errada

publicado por carlossilva às 09:14
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Domingo, 15 de Fevereiro de 2009
céu do siamês

 

Oculto entre os cobertores, falo

com o siamês; "siamês, vamos para o Novo

México, quero ver a ruína

da ferrugem ao sol, e o

deserto de dias, um

cacto". Cada um de nós

 

leva o roçar de suas pedras

na mão, compara

o método de seu rosto na ilha do medo. Eu

 

sou assim, e também

posso ser como você, fracassar

ao morder uma pêra, ou um biscoitinho

qualquer. Siamês, me leva para longe, diz em

 

meu ouvido aq tua posição

neste céu branco

do navio; e do falar, diz

cada repetição de

tuas palavras, aonde te

conduzem.

 

***

Aníbal Cristobo (1971)

Buenos Aires


lido em: Miniaturas Kinéticas

publicado por carlossilva às 08:58
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Sábado, 14 de Fevereiro de 2009
o que passou pela cabeça do violinista em que a morte acentuou a palidez ao despenhar-se com sua cabeleira negra & seu stradivárius no grande desastre aéreo de ontem

 

mi

eu penso em béla bartók

eu penso em rita lee

eu penso no stradivárius

e nos vários empregos

que tive

pra chegar aqui

e agora a turbina falha

e agora a cabine se parte em duas

e agora as tralhas todas caem dos compartimentos

e eu despenco junto

lindo e pálido minha cabeleira negra

meu violino contra o peito

o sujeito ali da frente reza

eu só penso

mi

eu penso em stravinski

e nas barbas do klaus kinski

e no nariz do karabtchevsky

e num poema do joseph brodsky

que uma vez eu li

 

***

Angélica Freitas (1973)

Pelotas - Brasil


lido em: Rilke Shake

publicado por carlossilva às 08:46
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Sexta-feira, 13 de Fevereiro de 2009
com o breve arrepio

 

COM O BREVE ARREPIO de feltro,

revirando a bolsa. a tela

comentada. levam ao que conclui ser: esconderijo.

a única palavra que aprendeu

em coreano: pode. há sempre um

jeito de distribuí-la onde as árvores da ponte

 

***

Walter Gam (1983)

Belo Horizonte - Brasil



publicado por carlossilva às 12:25
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Quinta-feira, 12 de Fevereiro de 2009
ao som do vinil

 

"Não acredito que te perdi"

cochichou perdendo a faixa

da música que deveria colocar

para as pessoas não escutarem

o que gritava tentando cochichar

ao ouvido da garota que se despedia

e que pensou escutar

"não acredito que te perdi"

mas não pediu para ele repetir

pois já tinha ouvido o ruído da faixa

terminando e ele afastando-se

para posicionar a agulha em qualquer

outro círculo e assim ninguém

reparar na garota que ali permanecia

na tentativa de ir embora.

 

***

Valeska de Aguirre (1973)

Rio de Janeiro - Brasil

 


lido em: Atos de Repetição

publicado por carlossilva às 09:11
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Quarta-feira, 11 de Fevereiro de 2009
exercício visual

 

Fique agora teu olhar

num pequeno, mínimo ponto

retido.  Que não seja,

porém, teu umbigo, mas um

ponto abstrato, do mínimo traço

da menor de tuas miudezas despido.

Fique diante dele assim

alienado, esquecido,

enquanto ele, obscuro, vai

mais e mais sumindo

sumindo sumindo.

Agora acorda, ergue teu olho

e rapidamente contempla

a retidão destas árvores

a claridade deste céu quase escuro

onde daqui a pouco aquele ponto

vai, luminoso, aparecer.

 

***

Simone Brantes (1963)

Nova Friburgo (RJ) - Brasil


lido em: Pastilhas brancas

publicado por carlossilva às 09:26
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