Passa, ó vento das campinas,
Leva a canção do tropeiro.
Meu coração 'stá deserto,
'Stá deserto o mundo inteiro.
Quem viu a minha senhora
Dona do meu coração?
Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.
Ela foi-se ao pôr da tarde
Como as gaivotas do rio.
Como os orvalhos que descem
Da noite num beijo frio,
O cauã canta bem triste,
Mais triste é meu coração.
Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.
E eu disse: a senhora volta
Com as flores da sapucaia.
Veio o tempo, trouxe as flores,
Foi o tempo, a flor desmaia.
Colhereira, que além voas,
Onde está meu coração?
Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.
Não quero mais esta vida,
Não quero mais esta terra.
Vou procurá-la bem longe,
Lá para as bandas da serra.
Ai! triste que eu sou escravo!
Que vale ter coração?
Chora, chora na viola,
Violeiro do sertão.
***
Castro Alves (1847-1871)
Brasil
Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.
Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.
São bairos de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.
Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.
Ando aos trambolhões
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.
Também a noite é escura.
***
Agostinho Neto (1922-1979)
Angola
Todos já vimos
nos livros, nos jornais, no cinema e na televisão
retratos de meninas e meninos
a defender a liberdade de armas na mão.
Todos já vimos
nos livros, nos jornais, no cinema e na televisão
retratos de cadáveres de meninos e meninas
que morreram a defender a liberdade de armas na mão.
Todos já vimos!
E então?***
Fernando Sylvan (1917-1993)
Timor Leste
À MimiTchum Mi-Liem
“Teu olhar é corsário destemido de aventura
Nómada de oceanos
Ternura em traço leve
Leve traço de ternura
Teu rosto é concha de caranguejo
Abrigo de procelas
Beijo em terra longe
Terra longe num beijo
Tuas mãos são gomil de mestiçagem
Telas de delírio
Paisagens de horizonte
Horizontes de paisagem"
***
Olinda Beja (1946)
S. Tomé e Príncipe
Quem não me deu Amor, não me deu nada.
Encontro-me parado...
Olho em meu redor e vejo inacabado
O meu mundo melhor.
Tanto tempo perdido...
Com que saudade o lembro e o bendigo:
Campo de flores
E silvas...
Fonte da vida fui. Medito. Ordeno.
Penso o futuro a haver.
E sigo deslumbrado o pensamento
Que se descobre.
Quem não me deu Amor, não me deu nada.
Desterrado,
Desterrado prossigo.
E sonho-me sem Pátria e sem Amigos,
Adrede.
***
Ruy Cinatti (1915-1986)
Londres
Eu bebeu suruma
dos teus ólho Ana Maria
eu bebeu suruma
e ficou mesmo maluco
agora eu quero dormir quer comer
mas não pode mais dormir
não pode mais comer
suruma dos teus olhos Ana Maria
matou sossego no meu coração
oh matou sossego no meu coração
eu bebeu suruma oh suruma suruma
dos teus ólho Ana Maria
com meu todo vontade
com meu todo coração
e agora Ana Maria minhamor
eu não pode mais viver
eu não pode mais saber
que meu Ana Maria minhamor
é mulher de todo gente
é mulher de todo gente
todo gente todo gente
menos meu minhamor.
***
Rui Nogar (1932-1993)
Moçambique
Falei da ambição
dos homens
era já dia
falei da paz
do grito de Angola
do homem sem rosto
da criança que virou velho
Falei do homem-bicho
outros falaram do bicho-homem
essa coisa sem cabeça
nem coração
outros e mais outros
falaram do mundo-cão
onde a ambição
fala mais alto que o coração
Clamei pelas crianças de Moçambique
vi-me nas ilhas sem nome
chorando a angústia alheia
enquanto isso
o bicho-homem
vestido de homem-bicho
caminhava para a minha moransa*
Esse homem sem cabeça
coração na planta dos pés
que a todos leva ao sepulcro
a sete pés
debaixo da terra
pisou o meu chão
calcou a minha gente
não precisava de um pelotão
apenas ter ambição nos olhos
ódio nas mãos
e tocar o bombolon** da morte
*Moransa - aglomerado de casas pertencente a uma família extensa
**Bombolon - instrumento de percussão
***
Maria Odete da Costa Soares Semedo (1959)
Guiné-Bissau
Que importa o caminho
da garrafa que atirei ao mar?
Que importa o gesto que a colheu?
Que importa a mão que a tocou
— se foi a criança
ou o ladrão
ou filósofo
quem libertou a sua mensagem
e a leu para si ou para os outros.
Que se destrua contra os recifes
eu role no areal infindável
ou volte às minhas mãos
na mesma praia erma donde a lancei
ou jamais seja vista por olhos humanos
que importa?
... se só de atirá-la às ondas vagabundas
libertei meu destino
da sua prisão?...
***
Manuel Lopes (1907-2005
Cabo Verde
Na anomalia
de volver-me todo dia,
como quem quer encontrar
lucidez onde é loucura;
desconstruo o que me fiz
quando perdi as fantasias...
um diz virá quando, enfim,
no mergulho mais profundo
poderei comungar comigo
a paz de não ser nada,
de não ter nada,
do nada.
***
Fred Matos (1952)
Brasil
à tarde com as sombras inclinadas
nos prédios nas paredes
as aves perpetuam o regresso
do tempo que decai
as aves que se inclinam na distância
das sombras desta tarde
cai a tarde com as aves e o tempo.
detrás da nua cortina
a esquina da tua face inclinada
tecida sobre o tempo
uma ave borda o vôo na toalha
a linha branca e a azul
a cor do céu azul da cor do céu
inclina o vôo da ave.
descanso a ave no tempo inclinado.
***
José do Nascimento Félix (1946)
Angola
adelia prado(5)
adilia lopes(8)
al berto(6)
alba mendez(4)
anxos romeo(4)
augusto gil(4)
aurelino costa(11)
baldo ramos(6)
carlos vinagre(13)
daniel maia - pinto rodrigues(4)
fatima vale(10)
gastão cruz(5)
jaime rocha(5)
joana espain(10)
jose afonso(5)
jose regio(4)
maite dono(5)
manolo pipas(6)
maria lado(6)
mia couto(8)
miguel torga(4)
nuno judice(8)
olga novo(17)
pedro mexia(5)
pedro tamen(4)
sophia mello breyner andressen(7)
sylvia beirute(11)
tiago araujo(5)
yolanda castaño(10)
leitores amigos
leituras minhas
leituras interrompidas