Feliz Ano Novo
2009
(até 5 de Janeiro)
***
O que deixo:
verde solidão
da raiz ao cabelo.
O que deixo:
vértebras do tempo,
desigual fermento.
O que deixo:
bala no verão,
cobra no inverno.
O que deixo:
gemido e agulha
ensacando ventos.
O que levo:
frutos de ouro
romaria e desterro.
O que levo:
sonhos e erros
do horizonte maciço.
Da árvore e seu resumo
os vícios do mundo
medos e sonhos
no velho pensamento.
***
Cyro de Mattos (1939)
Itabuna (Brasil)
a noite passa lenta e fluorescente
purgam feridas
sobre a cama metálica
equipada para gestos mínimos
o corpo é vasto para delírios
e flutua inflado
pelos limites do quarto
onde se esgota
úmido
cada vez mais longe
da porta
***
Helena Ortiz
Pelotas (Brasil)
Foi quando
naquele
momento
tão longe,
disseste
nos olhos
o que
nem tu
sabias,
e agora
não lembras,
que dentro
de mim,
oculto
no sangue
e em gosto
de Terra,
senti o
mistério
fluindo.
Naquele
momento
fui deus.
***
Moacyr Félix (1926 - 2005)
Rio de Janeiro (Brasil)
No oceano integra-se (bem pouco)
uma pedra de sal.
Ficou o espírito, mais livre
que o corpo.
A música, muito além
do instrumento.
Da alavanca,
sua razão de ser: o impulso,
Ficou o selo, o remate
da obra.
A luz que sobrevive à estrela
e é sua coroa.
O maravilhoso. O imortal.
O que se perdeu foi pouco.
Mas era o que eu mais amava.
***
Henriqueta Lisboa (1904-1985)
Lambari (Brasil)
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí
pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some
a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve
já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada
o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora
***
Arnaldo Antunes (1960)
S. Paulo (Brasil)
sei que estás me esperando
incógnita
nossos tempos se cruzaram
por um instante
linda és jovem e depois
já te começa a pesar a idade
encontras com os versos
como se passeasses em um parque
e numa moldura deslumbrante
inseres
o nosso retrato
cada gesto teu
deixa marca em meu dia
ontem senti teu perfume
hoje teu hálito
amanhã o roçar da tua coxa
de mãos dadas caminhamos
contra a multidão
que finge não nos ver
semeamos sonetos no campo fértil
do nosso arrebatamento
nascem trigais reluzentes
que provocam cantos de galos
e chamam a atenção
em distantes estrelas
escapamos do tormento
em uma madrugada singular
e nosso berço alcança
uma galáxia desconhecida
dos astrônomos
ali nossos filhos
conversam conosco em versos
e as manhãs avançam
pelas tardes sem vacilar
***
Abílio Terra Júnior (1941)
Belo Horizonte - Brasil
um vento forte zunia imenso o leito vazio até a lua minguava e não havia estrelas eu tive pena da noite negro manto de graúna os piados da coruja nuvens densas carrancudas intranqüilo céu de piche uma sirene tocava os mendigos sem abrigo os bêbados a madrugada a rouquidão os gemidos a noite toda tremia nem ela nem eu dormimos *** Jussara Salazar (1959) Pernambuco (Brasil
***
Eucanaã Ferraz (1961)
Rio de Janeiro (Brasil)
Converso com os prédios parados no bairro
Converso com os carros passando na rua
Converso entre o corredor e a cozinha
Converso com o silêncio da vizinha
Converso com meu braço que não pára de falar
Converso animadamente de porta aberta
Converso de conversa em conversa
Converso com o rádio que não me escuta
Converso com nossos passos batendo papo na /calçada
Converso em voz baixa com a samambaia
Converso com os movimentos de tua saia
Converso com pedaços de conversa que ficaram na /sala
Converso pelo telefone madrugada adentro
Conservo o formigamento versátil da conversa
O seu veneno letal:
boatos, ironias e farpas.
Jogo conversa fora
Jogo conversa dentro de outra conversa que rola
Eu me converto em motivo de conversa
Toda conversa tem sua graça
Conversar não custa nada
***
Augusto Massi (1959)
S. Paulo - Brasil
adelia prado(5)
adilia lopes(8)
al berto(6)
alba mendez(4)
anxos romeo(4)
augusto gil(4)
aurelino costa(11)
baldo ramos(6)
carlos vinagre(13)
daniel maia - pinto rodrigues(4)
fatima vale(10)
gastão cruz(5)
jaime rocha(5)
joana espain(10)
jose afonso(5)
jose regio(4)
maite dono(5)
manolo pipas(6)
maria lado(6)
mia couto(8)
miguel torga(4)
nuno judice(8)
olga novo(17)
pedro mexia(5)
pedro tamen(4)
sophia mello breyner andressen(7)
sylvia beirute(11)
tiago araujo(5)
yolanda castaño(10)
leitores amigos
leituras minhas
leituras interrompidas