se regressar, será aos teus olhos que regresso.
os acasos ardem nos lábios dos amieiros que na margem do rio
aguardam que regresse. a isso regresso, buscando
coincidências e nomes, razões. afasto-me
provavelmente de ti, embora secretamente.
é por isso estranha a forma como os acasos ardem
para sempre. a outro rio e sob outras sombras
regresso, devagar para não ferir o que antes amei
e por quem morri muitas vezes. agora de novo morro
e por outro rio regresso até ao lugar onde elas, as aves,
nascem para não desaparecerem. e isso é como permanecer.
***
Francisco José Viegas (1962)
Vila Nova de Foz Coa (Portugal)
As folhas celebram o vento
celebram o rodar do tempo,
o movimento perpétuo das coisas.
No coração da tarde
acendo o poema:
no seu pulsar vermelho
as folhas repetem ao ouvido
a nomeação serena do amor
***
Nuno Higino (1960)
Sendim (Felgueiras)
Mais uma noite, amor. Ao recordar-te Lisboa |
no sonho dos gatos
existe um eterno pássaro
colorido
e uma árvore mais alta
do que o latir dos cães
***
Francisco Duarte Mangas (1960)
(Vieira do Minho)
O parque desce sob o meu olhar
instável desce para o lago
onde florescem latas de cerveja, folhas
e a névoa dos namorados.
À superficie das coisas o pó
aquietado da vida, a poalha dos impropérios
da castiça, o fumo do monte branco
a coroar, à hora da bica, a ave da juventude
que assobia canções combatentes.
Muita coisa começou assim, um punhal
a esmagar os sonhos, uma pedra a torcer
o primeiro amor contra o mundo.
Mais tarde, é sempre mais tarde, a morte
de amigos cuspiu de mim toda a cidade,
as ruelas que iam para o fontelo
escureceram também para sempre.
O silêncio, como o inferno, começa sempre
com os outros.
***
Fernando Luís Sampaio (1960)
Moçambique
Amanhece
e no espreguiçar dos olhos
absorvo a tontura do novo dia
ao sair do quarto
atravesso o branco sujo da manhã
e vou tomar café com muito açúcar
levo um pastel de Tentúgal para a varanda
e mastigo-o ouvindo as harpas da cidade
e quando tu chegas de roupão
bebendo o teu cacau
explico-te o horizonte com barcos
***
Daniel Maia - Pinto Rodrigues (1960)
Lembrava-se dele e, por amor, ainda que pensasse
em serpente, diria apenas arabesco; e esconderia
na saia a mordedura quente, a ferida, a marca
de todos os enganos, faria quase tudo
por amor: daria o sono e o sangue, a casa e a alegria,
e guardaria calados os fantasmas do medo, que são
os donos das maiores verdades. Já de outra vez mentira
e por amor haveria de sentar-se à mesa dele
e negar que o amava, porque amá-lo era um engano
ainda maior que mentir-lhe. E, por amor, punha-se
a desenhar o tempo como uma linha tonta, sempre
a cair da folha, a prolongar o desencontro.
E fazia estrelas, ainda que pensasse em cruzes;
arabescos, ainda que só se lembrasse de serpertes.
***
Maria do Rosário Pedreira (1959)
Diz-me de amor ardente se não ver,
metáfora que em verso meu somente
me traz de novo a ferida mais contente
e a dor que desatina sem doer.
Teu querer é metonímia de quem quer
a si se convencer do que já sente,
abrir e reabrir constantemente
o verbo que se perde em querer saber.
Persegues vencedora o invencível,
e partes minha vida em duas partes:
nenhuma me pertence e o impossível
reparte-se por ti com tantas artes
que nada se assemelha a tal desnível
de amar essa loucura, os baluartes.
Amor é água ardente enquante arde.
***
Luís Adriano Carlos (1959)
Ficávamos no quarto até anoitecer, ao conseguirmos
situar num mesmo poema o coração e a pele quase podíamos
erguer entre eles uma parede e abrir
depois caminho à água.
Quem pelo seu sorriso então se aventurasse achar-se-ia
de súbito em profundas minas, a memória
das suas mais longínquas galerias
extrai aquilo de que é feito o coração.
Ficávamos no quarto, onde por vezes
o mar vinha irromper. É sem dúvida em dias de maior
paixão que pelo coração se chega à pele.
Não há então entre eles nenhum desnível.
***
Luís Miguel Nava (1957 - 1996)
Só tenho uma ponta de
cigarro para fumar
E para apagá-la:
todo o mar
***
Jorge Sousa Braga (1957)
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