Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos
E para mais me espantar
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos-
Cuidando alcançar assim
O bem tão malordenado
Fui mau mas fui castigado.
Assim que, só para mim,
Anda o mundo concertado.
in Primeiro Livro De Poesia
selecção de Sophia de Mello Breiner Andresen
ilustrações de Júlio Resende
***
Luís de Camões (1524(?) - 1548)
Lisboa - Portugal
A cena é muda e breve:
Num lameiro,
Um cordeiro
A pastar ao de leve.
Embevecida,
A mãe ovelha deixa de remoer
E a vida
Pára também, a ver.
in Primeiro Livro De Poesia
selecção de Sophia de Mello Breiner Andresen
ilustrações de júlio Resende
***
Miguel Torga(1927 - 1995)
S. Martinho de Anta (Vila Real) - Portugal
Pastor, pastorinho,
onde vais sozinho?
Vou àquela serra
buscar uma ovelha.
Porque vais sozinho,
pastor, pastorinho?
Não tenho ninguém
que me queira bem.
Não tens um amigo?
Deixa-me ir contigo.
in Primeiro Livro De Poesia
selecção de Sophia de Mello Breiner Andresen
ilustrações de Júlio Resende
***
Eugénio de Andrade (1923 - 2005)
Fundão - Portugal
«Quantas vezes já viajei
à roda do mundo? Cinco?
Seis? Sete?
Sim, foram sete!
Fascinante vida
Fascinante aventura!
Agora estou velha
e doente.
No topo deste guindaste
na Ribeira
contemplo
quem sabe pela última
vez
a Ponte de D. Luís
e o Mosteiro da Serra
do Pilar.
Será este o meu último
sono? O sono da morte?»
Depois
quando acordou
ei-la voando
veloz sobre a Meia Laranja
a Cantareira e a Foz.
Ia em busca
do Grande-Mar-Oceano
para enfim descansar.
***
Papiniano Carlos (1918)
Lourenço Marques (Maputo) - Moçambique
A Sereia nunca mente
quando, cantando, se mexe.
Pra cá da cintura é gente
pra lá da cintura é peixe.
Se alá da cintura é peixe
e acá da cintura é gente,
canta, e se ao cantar se mexe,
a sereia nunca mente.
Nem eu cuido que haja guerra
nessa maneira de estar
com a voz lançada à terra
pelos caminhos do mar.
Os caminhos são do mar
sim, mas a voz é da terra
e nessa forma de estar
tudo haverá menos guerra
nem aberta, nem secreta,
por ter sido ou por achar
é tudo a voz do poeta
quando se põe a cantar.
***
Mário Castrim (1920 - 2002)
Ílhavo - Portugal
Eu conheço dois meninos
que em tudo são diferentes
Se um diz: «Dói-me o nariz!»,
o outro diz: «Ai, meus dentes!»
Se um quer brincar em casa,
o outro foge para o monte;
e se este a casa regressa,
já o outro foi para a fonte.
É difícil conviver con tanta contradição,
Quando um diz:«Oh, que calor!»
«Que frio!» - diz o irmão.
Mas quando a noitinha chega
com suas doces passadas,
pedem à mãe que lhes conte
histórias de Bruxas e Fadas.
E quando o sono esvoaça
por sobre o dia acabado,
dizem «Boa noite, mãe!»
e adormecem lado a a lado.
***
Maria Alberta Menéres (1930)
Vila Nova de Gaia - Portugal
Os burros tocam viola,
Os ratos varrem a rua,
As meninas usam barba,
Eu vivo sempre na lua.
Os carapaus têm lã,
As galinhas têm espinhas,
As vacas dão coca-cola
E chocolates as vinhas.
os gatos calçam sapatos,
Olha a trança das serpentes,
As moscam falam francês,
Os galos lavam os dentes.
As casas voam no ar,
As nuvens dormem no chão,
Os olhos fazem chichi
E crescem rosas na mão.
Miúdo que estás a ouvir-me,
Pois tens orelhas de rã,
Diz lá o que está errado
Ou faço queixa à mamã.
***
Luísa Ducla Soares (1939)
Lisboa - Portugal
Há nuvens para tudo
para todos os gostos.
Ou barcos parados
no céu ondulado
dastardes de Agosto
ou lenços rasgados
pelos nervos do vento
dum maio indisposto.
Há nuvens para tudo
em nuvens havendo.
Ou damas rosadas
pisando azinhagas
dos fins de Setembro
ou velhos barbaças
deitando fumaças
por todo o dezembro.
Há nuvens para tudo
rolando nos olhos.
Comboio correndo,
camisas de folhos,
leões indolentes,
corujas, serpentes,
cascatas, torrentes,
rochedos e escolhos.
Há nuvens para tudo
e, às vezes, sem querer,
um céu branco e mudo,
cortina em veludo,
que não deixa ver
as nuvens desnudas
que ensaiam e mudam
o ser e o patecer
para o baile de entrudo
do nosso prazer.
***
António Torrado (1939)
Lisboa - Portugal
São pedras, tantas pedras
amontoadas.
De heras e muito musgo
forradas.
E as telhas, tantas telhas
escaqueiradas
cobrem aquelas pedras alinhadas.
Tem duas janelas
esburacada
e duas portas
empenadas.
E à beira dessas pedras
amontoadas
de heras e muito musgo
forradas
crescem duas rosas bravas
***
António Mota (1957)
Vilarinho - Ovil - Baião - Portugal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso,
em serenos sobressaltos
como estes pinheiros altos
que em verde e ouro se agitam
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma. é fermento,
bichinho alacre e sedento.
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel.
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa dos ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança.,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
para-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra som televisão
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre a mãos de uma criança.
***
António Gedeão
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