os filhos mais crescidos saindo
não nos dão o mesmo trabalho
e é bom que comecem a aprender
nunca lá tendo ido aproveitamos
para lhes mostrar mas só por isso
não vale a pena modifica-se
o percurso um bocado
para tudo ser em caminho
não andar para diante temos
de voltar atrás são a última
coisa que nós vistamos
não nos podemos demorar
fim de semana estrada molhada
quero estar em casa ao escurecer
tanto gostaram que havemos de
cá voltar mas dessa vez com
muito mais vagar
in dezoito poemas
Livros sem editor (1971)
***
Francisco José Craveiro (1950)
I
Acorda em mim uma criança, deslumbrada e breve, as
pernas sedentas de reflexos puros, simples como um
gesto, um fruto. Diz-lhe que nasceu para o amor. Que
o rosto se pode abrir como uma nuvem e em silêncio
penetrar nos espaços, como uma pomba ou um sorriso.
II
Ensina-me o sono dos teus seios, a inquietude das
tuas costas. Ensina-me as manhãs e a água, ensina-me a
luz que para além das coisas , numa finíssima poalha,
tomba no verniz da mesa. Ensina-me o verde e o azul,
a penumbra.
III
Habita-me de imagens e emoções. Ensina-me os sí-
tios, as palavras, as sílabas mais dolorosas. Acorda em
mim o teu corpo, um cristal perfeito de poesia.
in Poemas de Amor e Não
Livros sem editor (1971)
***
Sérgio Paulo das Neves Rodrigues da Silva (1950)
Há rastos de lume nos olhos
de poeira erguida ao redor dos passos
de gente que se levanta
e não come e não dorme e se consome
enquanto os dias à beira da água parados
bebem o tranquilo pousar das aves
enquanto as almas crescem como trigo
dentro de cada gesto e explodem
o fogo devora
o fogo é isto no fundo dos olhos
in vinte e seis poemas iniciais
Livros sem editor (1971)
***
Pires Laranjeira (1950)
Pensamento animal,
com agudas ideias a vará-lo
e que fique depois finando-se no chão,
com moiscas ou abutres a acabá-lo.
As palavras, é claro, são precisas,
(aí ficam trinta e três)
tão precisas
como pagar a renda ao fim do mês.
Mais preciso, no entanto, é que eu vos diga
o que hoje sucedeu
aquià minha porta, em pleno dia,
enquanto Apolo 11 ia pró céu.
- O senhor acredita na justiça?
- O que é preciso é ter dinheiro.
- Se o não tiver?
- Arranje-o primeiro.
Eram dois entre muitos.
E eu fico-me pràqui a meditar
naquela solução, bem maia difícil
que a descida lunar.
Pensamento animal,
unhas e cornos ensanguentados
de tanto lutar, de tanto,
com os fados.
in quando o silêncio reverdece
Razão Actual (1971)
***
António Cabral (1931 - 2007)
Castedo do Douro (Alijó) - Portugal
O preconceito da ave
não é o tamanho das suas asas
nem o ramo onde poisou
Mas a beleza do seu canto
a largueza do seu voo...
e o tiro que a matou.
in Obra Poética I
Caminho 1999
***
José Craveirinha (1922 - 2003)
Lourenço Marques - Moçambique
Nada no horizonte
a não ser eu e sou montanha
olhando outro horizonte
onde de novo estou
e sou floresta.
Não há festa
como nascer nascente
e vir cantando
rolando seixos na corrente.
Seja o meu corpo vale
o meu coração pedra
o meu sangue regato
os meus cabelos vento
e em paz existo mas
não penso
dispenso
sendo
o pensamento.
in Poemas Escolhidos e Dispersos
(Roma Editora)
***
Rosa Lobato de Faria (1932)
Lisboa - Portugal
Entre o desejo de ser
e o receio de parecer
o tormento da hora cindida
Na desordem do sangue
a aventura de sermos nós
restitui-nos ao ser
que fazemos de conta que somos.
in Raiz de Orvalho (1999)
***
Mia Couto (1955)
Beira - Moçambique
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...
Mas tu esqueceste muita coisa!
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha - queres ouvir-me? -,
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
"Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal..."
Mas - tu sabes! - a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...
Boa noite. Eu vou com as aves!
in Antologia Breve
***
Eugénio de Andrade (1923 - 2005)
Fundão - Portugal
Virgens que passais, ao Sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente,
Que me transporte ao meu perdido lar.
Cantai-me, nessa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o Mar
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formosura, o luar!
Cantai! Cantai as límpidas cantigas!
Das ruínas do meu lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas
Que eu vi morrer num sonho, como um ai....
Ó suaves e frescas raparigas,
adormecei-me nessa voz...cantai !
***
António Nobre (1867 - 1900)
Porto - Portugal
Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilónia, tantas vezes destruida,
Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros? A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio
Sò tinha palácios
Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Indias
Sózinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitòria.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas
***
Bertold Brecht (1898 - 1956)
Augsburg - Alemanha
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