Não sei como tudo começou: suponho
que havia uma figura que depois
se estilhaçou para formar um puzzle.
Mas se juntarem todas as peças
talvez não haja nenhuma figura, e então
de que origem intacta partiu tudo
o que depois se quebrou? É impossível
fazer estilhaços de estilhaços sem uma
coerência primeira, agora ausente.
Quando todas as peças se juntam
estaremos reduzidos ainda a uma peça
de uma figura maior, ou essa figura
é uma utopia pragmática, instrumental,
que permite algum sentido ?
Ó significados, para vós, na infância,
tinha um caderno.
***
pedro mexia
*
in "Duplo Império"
O mundo talvez esteja fora do mundo, aí nos encontramos.
Dispomos os pertences, esperamos tranquilidade,
a nossa viuvez que se esconde no seu negrume.
A casa está no entanto assombrada,
como se isso importasse. O fantasma sou apenas
eu quem o vejo e ouço, menos medo que altercações,
como o soalho que estala nas noites ou as vagas assustadiças.
Com o tempo o intruso, que é também o dono antigo,
é apenas mais como nós, mais um fantasma apaixonado.
Um fantasma com piedade, que não nos expulsa
mas que vai ditando, com todas as letras, a sua narrativa,
feita nossa, e que talvez, como um espectro, nos salve.
***
Pedro Mexia - 1972
Lisboa
*****************************+
Este poema começa por te comparar
com as constelaçoes,
com os seus nomes mágicos
e desenhos precisos,
e depois
um jogo de palavras indica
que sem ti a astronomia
é uma ciência infeliz.
Em seguida, duas metáforas
introduzem o tema da luz
e dos contrastes
petrarquistas que existem
na mulher amada,
no refúgio triste da imaginação.
A segunda estrofe sugere
que a diversidade de seres vivos
prova a existência
de Deus
e a tua, ao mesmo tempo
que toma um por um
os atributos
que participam da tua natureza
e do espaço criador
do teu silêncio.
Uma hiérbole, finalmente,
diz que me fazes muita falta.
***
Pedro Mexia
************************
Em longo se transforma o breve engano,
e o discurso em vento,
e o desejo em medo.
E a esperança
em memória, e o pensamento
em bússola cega
para o mundo.
E em vidro o espelho apaga,
gasto de mágoas e mudanças,
o claro rosto do futuro.
***
Pedro Mexia
*******************
A identidade, como a pele,
renova-se, perde-se de sete
em sete anos, muda no mesmo
corpo, torna diferente
a permanência humana.
A identidade é a soma
das intenções, uma foto
instantânea para um propósito
imediato que não dura.
A identidade é um equívoco
para camuflar o coração.
***
Pedro Mexia (1972)
Lisboa (Portugal)
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