Ao fundo, as nuvens chocam com
as casas. Os pássaros gritam e há homens
que se atiram das varandas como se
fossem vasos empurradas pelo vento.
Os carros esmagam os bichos que correm
pelo alcatrão. É quase Primavera, o frio
anuncia uma culpa antiga, a solidão
dos guerreiros. E há um outro homem
que diz: gosto das árvores, do seu tronco
e das raízes que rasgam as calçadas. Esse
homem decidira viver porque pertencia
à humidade das paredes, aos telhados de
barro, às bétulas. Era dali que lhe vinha
a força dos braços, a claridade que se lhe
prendera à pele. Era esta a sua confissão.
Mas, após ter dito aquelas palavras lançou-se
para o espaço, seguindo a trajectória da chuva.
***
jaime rocha
*
São anjos de metal, estendidos no outro lado
do mar, com a pele encostada a um navio.
Anjos inclinados para a madeira, presos a uma
corda, sabendo que o céu se abre para eles como
uma forca. Uma grande luz vem dos penhascos,
traz essas mulheres no seu dorso, esmagadas pelo
olhar. Uma sirene cruza o nevoeiro. É de novo a
morte, a última tentaçãoda carne, o grande vestido
deposto sobre um estrado. Outro anjo nasce
fulminando a beleza do dia. Tem uma voz, um rosto,
uma oficina. É um cântico tardio, uma desordem,
uma paixão que se esvai triturada por uma súbita fraga.
***
jaime rocha
*
O homem vê uma mancha ao fundo a
mexer-se na sua direcção. É a barca de
Caronte que regressa. A terra engrossa
quando a água é empurrada e o homem
devorado pelo lixo. Os seus pulmões
enchem-se de v azio e morrem, como dois
milhafres deitados num campo de sal. A sua
dor tornou-se mais forte doa que as raízes que
rompem o alcatrão. Uma coisa não pássaro
o que ela vê, um vidro a nascer nos socalcos,
um crepúsculo.
***
jaime rocha
*
Ela diz, é a sua primeira fala depois de morta.
tapar-te-ei com os meus cetins como se o meu
corpo fosse um risco no céu.
O homem sabe que as palavras são apenas uma
memória. A sua cintura procura reviver depois
de os cães o terem dilacerado. É um grito, um
beijo frio. Ela avança com a roupa ensanguentada.
Mas é apenas uma moldura envolvida pelo âmbar,
uma luminosidade difusa, saída de uma necrópole.
Um dos lados do seu rosto fica negro, como se a
lua tivesse passado por cima dele e o deixasse
marcado por uma dor.
***
jaime rocha
nazaré, 1949
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das plantas.
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jaime rocha
(nazaré, 1949)
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