Terça-feira, 1 de Fevereiro de 2011
um campo batido pela brisa


A tua nudez inquieta-me.

Há dias em que a tua nudez
é como um barco subitamente entrado pela barra.
Como um temporal. Ou como
certas palavras ainda não inventadas,
certas posições na guitarra
que o tocador não conhecia.

A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo
para um lado misterioso e frágil.
Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe
contorno, peso. Destrói o meu corpo.
A tua nudez é uma violência
suave, um campo batido pela brisa
no mês de Janeiro quando sobem as flores
pelo ventre da terra fecundada.

Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas
com o vocabulário da tua nudez.
Tenho «um pensamento despido»;
maturação; altas combustões.
De mão dada contigo entro por mim dentro
como em outros tempos na piscina
os leprosos cheios de esperança.
E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete
que lanço com mão tremente desastrada
para rebentar e encher a minha carne
de transparência.

Sete dias ao longo da semana,
trinta dias enquanto dura um mês
eu ando corajoso e sem disfarce,
ilumindo, certo, harmonioso.
E outras vezes sucede que estou: inquieto.
Frágil.
Violentado.

Para que eu me construa de novo
a tua nudez bascula-me os alicerces.

 

***

fernando assis pacheco

coimbra, 1937 - 1995

 

*




lido em: A Musa Irregular

publicado por carlossilva às 12:51
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Sábado, 26 de Setembro de 2009
esta areia fina

 

Não sei

se o que chamam amor é este apaziguamento.

Não sei se comias fogo. Tuas abelhas

voam agora em círculos tranquilos.

Mães serenam seus filhos no ventre,

não sei se o que enfim chamam

amor é esta areia fina.

 

Agora estamos um dentro do outro,

fazemos longas visitas deslumbradas

porque <o nosso prazer lembra um rio vagaroso

no meio de juncos ao cair da tarde>.

 

As palavras tornam-se esquivas. Com o silêncio

falaríamos melhor de tudo isto.

Não sei se o que chamam amor

é a cama desfeita o sol fugindo,

uma vontade louca de beber

a grandes goles a noite entorpecente.

 

Com o silêncio, o silêncio sem nome:

morrermos a meio do filme

simples, calada, dedicadamente.

Eras tu, amor? - Era eu, era eu!

 

Um barco junto à margem. E cegonhas.

 

***

Fernando Assis Pacheco

 

**************************************

 

 



publicado por carlossilva às 13:31
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Domingo, 6 de Setembro de 2009
seria o amor português

 

Muitas vezes te esperei, perdi a conta,

longas manhãs te esperei tremendo

no patamar dos olhos. Que me importa

que batam à porta, façam chegar

jornais, ou cartas, de amizade um pouco

- tanto pó sobre os móveis tua ausência.

 

Se não és tu, que me pode importar?

Alguém bate, insiste através da madeira,

que me importa que batam à porta,

a solidão é uma espinha

insidiosamente alojada na garganta.

Um pássaro morto no jardim com neve.

 

Nada me importa; mas tu enfim me importas.

Importa, por exemplo, no sedoso

cabelo poisar estes lábios aflitos.

Por exemplo: destruir o silêncio.

Abrir certas eclusas, chover em certos campos.

Importa saber da importância

que há na simplicidade final do amor.

Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.

"Que me importa que batam à porta..."

Sair de trás da própria porta, buscar

no amor a reconciliação com o mundo.

 

Lomgas manhãs te esperei, perdi a conta.

Ainda bem que esperei longas manhãs

e lhes perdi a conta, pois é como se

no dia em que eu abrir a porta

do teu amor tudo seja novo,

um homem uma mulher juntos pelas formosas

inexplicáveis circunstâncias da vida.

 

Que me importa, agora que me importas,

que batam, se não és tu, à porta?

 

***

Fernando Assis Pacheco

 

*****************************************

 



publicado por carlossilva às 09:20
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Quinta-feira, 17 de Julho de 2008
pedro só

 

Passaram anos e anos

sobre esta roda da vida,

farinha que foi moída,

vai-se a ver, são desenganos

 

Atou-me a sorte este nó,

cobriu-me com estes panos.

Ao peso dos meus enganos

sai a farinha da mó.

 

Na palma da mão estendida

leio um caminho de pó

lembranças do homem só

São as andanças da vida

 

Foram dias, foram anos,

foi uma sorte moída,

vida que tenho vivida,

(vai-se a ver são desenganos)

 

Foram dias, foram anos,

for a sorte apodrecida.

Dentro da roda da vida

sinto roer os fusanos

 

Lembranças da minha vida

perdem-se em nuvens de pó.

Bem me chamam Pedro Só,

(nome de roda partida)

***

Fernando Assis Pacheco (1937 - 1995)

Coimbra (Portugal)



publicado por carlossilva às 00:01
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