Terça-feira, 30 de Abril de 2013
tema

 



era uma vez um poeta
que queria pôr no mar coisas da terra
já lá havia estrelas
cavalos
e anémonas
que mais se haveria de arranjar?

talvez uma roda de oleiro
lentamente formando ondas
que nunca se hão de quebrar
(pelo menos não serão esquecidas)

talvez pólvora muito húmida
fazendo o mar rebentar
em polvorosa
ou em pôr-de-rosa

talvez até uma peça a duas vozes
(ora o tema em maré cheia
ora o tema em maré vaza)
fazendo, de todas as horas, vagas
que se podem continuamente inventar

 

***

 

pedro ludgero

 

*

 

 


lido em: http://cabodaboatormenta.blogspot.pt/

publicado por carlossilva às 08:17
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Segunda-feira, 29 de Abril de 2013
para quem eu seja

 

Para quem eu seja
a verdade física de minha existência.
E as emanações de um perfume,
de onde o inefável se recomponha 
de seus ossos, nenhures,
fraturas do incontável.
Reordenar memórias,
eu que não habito 
o que é meu em ti,
obliterada
na ubiquidade da matéria,
transida – de inevitável,
eu, que a mim, em ti,
o que seremos?

 

***

 

roberta tostes daniel

 

*


lido em: http://sedemfrenteaomar.wordpress.com/

publicado por carlossilva às 13:08
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Domingo, 28 de Abril de 2013
poética


 

Há caleidoscópios no interior de certas bibliotecas

que se conservam na abóbada regular das resignações

de simétricas esperanças de persistentes palavras

com emaranhadas aranhas nos filamentos da hesitação

a aterrar na luminosa folha da intenção imprecisa

a visitar as estátuas

a amargar a rima

 

na convalescença da pedra

por entre condutas de gás lacrimogéneo

bibliotecas inteiras voltadas para a tarde

num assobiar de dentes de tédio

onde num amarrotar de poetas

apenas um reflectido dilúvio de noites certas

 

íris onde semiluas de aparição vagas atravessassem

os livros as mãos carregadas

as clavículas das letras apagadas

as letras taciturnas as letras coalhadas

na platónica cidade com o suprimir do grito definitivo

com a mudez dos mimos a penetrar os corredores

das cativas palavras decisivas

 

pelo olhar triste da estátua que passa

pelo estreito sorriso de uma ideia marioneta

 

jaz o Poeta

jaz o Poeta Último

na república incompleta

jaz o Poeta

 

***

 

constanza muirin

 

*


lido em: http://www.mallarmargens.com/2013/04/seis-poemas-de-constanz

publicado por carlossilva às 10:19
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Sábado, 27 de Abril de 2013
concerto para cromossoma e cordas

 

(CANTO FRATERNO PARA CARLOS NOVO)

 

 

I

 

Como aranhas que se abraçam

as minhas pestanas encontram-se na noite

 

e mesmo ao fechar os olhos

vejo a tua bola de couro

lançada ao infinito da nossa eira de cima

circulando entre os trevos e o arame da roupa

e os teus olhos de menino a calcular a parábola exacta

descrita pela bola entre as margaridas e o ar.

 

Acaricias tal qual um clavecino

mas tu não o sabes.

 

Como a porta do Inferno de Rodin

fecho o ferro forjado da vista

e mesmo ao encontrar-me cara a cara com a retina

 

vejo a tua bicicleta humilde

que circulava à velocidade de um astro

sem freios nem pneumáticos e algum raio partido

mas tu partias o espaço pelo tempo

e a fórmula consentia com ternura

levar-te lá onde tu quisesses.

 

A tua bondade é artesanal

como o pão da casa

ou a música de um órgão rústico

mas tu não o sabes.

 

Deixa as vacas comerem os medos infantis

deixa-as remoer entre ferrã e carolos o frio

que passaste enquanto velavas para que comessem o pasto

e engordassem com flores

foram-se com os cornos abertos ao horizonte

levando com elas aquele que foi o nosso mundo.

 

Dormiam as cifras a sua soma nos teus cadernos de contas

cansados de trabalhar

com as tuas mãos pequeninas

 

as crostas dos teu joelhos feridos

brilham como a casca de um sol infantil

 

e a tua inteligência tornava-se maior entre cerejas maduras

e calças curtas

tocavas com um dedinho um número que treme como uma borboleta

e sabias que o seu coração podia dividir-se em três partes.

Olhavas talvez os cântaros do leite

e revelava-se a eterna forma do cilindro

ninguém sabia que três catorze dezasseis era um número pi

e tu

brincavas com ele no meio dos grilos.

Regressavas da tua mente brilhante

tão humilde como quem ficou em branco

no meio da neve

 

mas tu não o sabes.

 

Aprendi a contar com favas que me davas

a saber que um peão branco perdia a vida facilmente

perante uma rainha negra

que a combinatória é uma arte sagrada

que se a dez grãos-de-bico lhe tiro três

estou subtraindo e o resultado é sete.

 

Regressavas da tua delicadeza

como quem regressa de semear milho e não sabe

que faz um milagre

 

porque tu não o sabes.

 

 

II

 

Ah partilhar contigo o mesmo sistema linfático

o código que nos frisou o cabelo e decidiu

curvar-nos a coluna como uma cobra

 

Ah ir correr pelos campos uterinos

carregar –me às costas regressando do rio

dar-me a mão quando choro e a transfusão da paz.

 

Irmão meu igual o teu coração aos meus gametas

Irmão meu igual a partitura do nosso concerto

      para cromossoma e cordas.

Irmão meu igual

meu irmão.

 

 

III

 

Teorema:

Tu és o velho

eu a criança.

 

Despejas o dia com uma equação

saio ao sol para ver-te

integra como a maçã que desperta segura da sua semente

 

Eu sou a criança

tu és o velho.

 

 

IV

 

Cúmplice amigo contemplo contigo

o arco da velha das nossas vidas

a álgebra da liberdade

as raízes profundas do polinómio do humor

o amor contido em partes idênticas no ácido nucleico.

Chove suavemente

o corço cruza-se contigo na chã

e reconhece em ti o meu próprio açúcar

o meu próprio nitrogénio

o meu próprio fosfato

o corço cruza-se comigo e parte com uma parte de ti

para o fundo do bosque

onde ainda somos capazes de dormir em posição fetal

entre campânulas e a bosta sagrada do bezerrinho.

 

E a mesma cicatriz do apêndice adorna a nossa pele

como um relâmpago perfeito de sete pontos de sutura

sobre o céu.

 

E se acaso não te disse que te quero

escrevo este concerto para cromossoma e cordas

para que se um dia perder a memória e não lembrares

que éramos um sendo dois

maravilha da matemática

enigma da metafísica

evidência da vida.

 

***

 

olga novo

 

*

 

[vertido do galego por BlogNi]

 

 


lido em: Cráter
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publicado por carlossilva às 08:05
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Sexta-feira, 26 de Abril de 2013
instinto fatal


 

Os olhos mordem o corpo e as mãos são úteis e triviais, formas de prolongar os gestos mais insensatos num teclado de tácticas brancas. Há sempre gente que passa. A tarde é demasiado sólida para permitir uma festa na galáxia do caos. Há, ainda por cima, uma procissão de crianças a pé, de patins, de bicicleta, às cavalitas de um sonho com uma neoplasia original na metade superior direita da sua realização inquebrável. Tudo parece demasiadamente digestivo e o sol hospeda a normalidade junto dos lugares inevitáveis e universais. Tudo parece desencorajar a prática abrupta, o exercício na extremidade passional, o instinto da excepção, o focinho da deslealdade. Tudo parece ameno e vagamente victoriano, com adultos que passam com a elegância e a mística do seu tempo e do seu bem-estar, com os relinchos dos cavalos dentro da sua pose aristocrática, com palácios em cada passo, silêncio no pensamento, civilização e realce. Mas os olhos daquele homem continuam a morder o corpo da mulher que se sentou ao seu lado na esplanada daquele café, perto do centro da cidade. Continuam a pedir um certo tipo de resgate e um certo tipo de explicação.

 

***

 

andré domingues

 

*


lido em: http://nervoeiro.blogspot.pt/

publicado por carlossilva às 08:12
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Quinta-feira, 25 de Abril de 2013
acordai

 

Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raíz

Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações

Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!

 

***

 

josé gomes ferreira

 

*

 

[com música de fernando lopes graça]



publicado por carlossilva às 07:58
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Quarta-feira, 24 de Abril de 2013
aroma das gardênias: uma fotografia

 

O amor comeu minha paz e minha guerra.

Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão.

Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça,

meu medo da morte.                             

                                    (João Cabral de Melo Neto)

  

 

Vestiram-se para a foto. Ele, distinto em um paletó preto gravata borboleta lenço na lapela e os óculos, aros fininhos. Didi em um vestido com botõezinhos e plissê, brincos em forma de coração vermelho com pedrinhas ao redor um trancelim de ouro com medalhinha e cabelos curtos muito curtos, repartidos à la garçonne. Olham para o infinito.

Um dia ele morreu.

Didi vestiu-o pela derradeira vez igual à foto, cobriu o caixão com cravos brancos depois vestiu-se de preto.

Quis enlouquecer mas na semana seguinte ele voltou, contou tudo.

Não se habituara muito com aquela vida de morte.

— Que brincadeira é essa?

E estava ele de volta. Viviam assim em núpcias.

Às vezes ele não vinha. Ela caía numa tristeza de dar dó. Dia seguinte ele surgia novamente em frente ao portão, corado e bem disposto. Didi perdeu a conta de quantas vezes ele morreu de quantas viveu talvez a vida toda.

O tempo passou. Chegou o dia em que ela Didi, também resolveu que ia morrer. Elegante, despediu-se de todos, deitou no caixão.

Estava linda vestido branco, pulseira dourada e um véu bordado com minúsculas borboletas rosadas cobrindo o corpo antigo.

As matas se incendiaram fogo fátuo.

As folhas do caderno de anotações voaram atravessadas pelo calor do vento volando as cortinas de seda.  

 

***

 

jussara salazar

 

*


lido em: http://www.escritorassuicidas.com.br/edicao10_3.htm#jussaras

publicado por carlossilva às 15:58
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Terça-feira, 23 de Abril de 2013
somos andamiaje

 

Somos andamiaje

construcción en aire

deslizamiento y derrumbe

tachadura en cuaderno de apuntes

muro de contención

página virgen

Somos tránsito

oleaje que revienta su giro

sincronías y pérdidas

En la transparencia del quiebre

a veces

solo a veces

somos la vida vista en tercera persona.

 

***

 

camila rios armas

 

caracas (venezuela), 1989

 

*

 

*

 

Somos andaime

construção no ar

deslizamento e derrube

rasura em caderno de apontamentos

muro de contenção

página virgem

Somos trânsito

marulhar que rebenta seu rodopio

sincronias e perdas

Na transparência da quebra

às vezes

só às vezes

somos a vida vista na terceira pessoa.


lido em: http://memorabiliajardin.wordpress.com/

publicado por carlossilva às 08:05
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Segunda-feira, 22 de Abril de 2013
sailor's grave

 



Pacté con mi madre un tatuaje en el cuello.
Las dos compartiríamos marca,
las dos,
el sello de la tinta que nos une.

Sin embargo ahora
una cicatriz en el lugar íntimo
separa nuestras nucas para siempre.

 

***

 

luna miguel

 

*


lido em: http://lasafinidadeselectivas.blogspot.pt/2007/02/luna-migue

publicado por carlossilva às 12:30
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Domingo, 21 de Abril de 2013
pela morada-norte com seus peixes de linhas de letras inscritos no sopro das paredes

 

Pela morada-norte com seus peixes de linhas de letras inscritos no sopro das paredes

As navegações pela porção de sobras pelos frascos de vidro pelos olhos

Onde se acolhem o verde adocicado do ópio as chuvas de agosto

À procura da voz salgada de declamar os veios das conchas os fundamentos das cascas

Com as mãos ainda protegidas na mesa a resgatar da madeira o estro dos trilhos

À espera do olhar descido do olhar complacente que se obriga ao pretérito

De quem tem agendada a morte para o dia imediato e é tão humilde ao amor

 

Os dedos brincam com as espadas sobre o corpo:

São dolorosas as invasões do espelho que não permaneceu

Os peixes que se formam do pó da reminiscência não cumprem coisa nenhuma

Conto-os e eles continuam a multiplicar-se se fecho os olhos

Não cumprimos o real nem eu nem esta morada nem a memória

Ela que ainda raspa as unhas na madeira submerge nos cadernos

Circula

A prata das canetas o negrume dos isqueiros ela que não se concilia com o lume

Que estranha o peso dos livros e proíbe a chuva com sua decisão de escuro

À procura de uma voz salgada que emirja das quimeras como uma bússola

 

***

 

constanza muirin

 

*


lido em: http://constanzamuirin.blogspot.com.br/

publicado por carlossilva às 12:22
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