Segunda-feira, 30 de Abril de 2012
o corpo sobe e desce

 

O corpo sobe e desce

embalado de encontro

à gelatina (gordura)

do líquido até se dissolver

na onda de partículas

- a cintilação sem brilho

(glauca) de fluxos invisíveis -

de onde reemerge

como um novo tronco -

as guelras no lugar

das pernas - para

repetir outro ciclo.

Quem o segura?

Tudo se arrasta

no aquário alagado

em que o olhar se adensa,

inclinado para dentro,

deixando-se cobrir

pelo lençol de pregas

- silvos embutidos -

do vídeo movediço.

Tudo mexe em câmara

lenta vídeo distorcido

no viveiro de formas

(carnívoro adormecido)

de onde as imagens

se desprendem

(da agonia do fundo)

ainda irresolvidas.

Mal sai da cápsula

a placa de vidro -

com os seus parafusos

de metal fundido -

agride-o na cabeça,

no ponto em que

o pensamento bate

no fundo e se

extingue o sentido.

Atravessado pela janela

que o lamina pelo cinto

cai para baixo e cima

sem que os dois cotos,

girando sobre si,

cheguem a ocupar

o espaço de ravinas

deixado livre

pelo pesadelo

entre o sólido e o líquido.

Só então a imagem,

quando volta à superfície,

reconhece como sua

a promessa de novos sons -

seres de língua bífida -

que já nada prende

aos limites do conhecido.

 

***

 

fernando guerreiro

 

*


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Domingo, 29 de Abril de 2012
personagens do sonho

 

Os mortos vêem com os

olhos dos vivos e os vivos

fecham os olhos como se quisessem

ver o mundo dos mortos pois estão

 

todos vivendo com o mesmo alento

oblíquo: actores

dum teatro findo, vejo ainda

nele o sentido antigo da vigília

 

***

 

gastão cruz

 

*


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Sábado, 28 de Abril de 2012
náufrago

 

«Esperas que te digam que ainda não morreste».

Esto verso naufragou faz tempo no meio de um poema

mau e vejo agora que mereceria melhor sorte.

Retiro-o cuidadosamnete das ruínas

como quem retira do meio dos destroços

um corpo dado à costa numa praia deserta.

 

Deixo-o ao relento o tempo necessário

para que o sol lhe entre nos pulmões

e lhe beba a água em excesso. Se respirar

uma vez mais, quiçá para seu mal,

ensaiará o passo seguinte, integrando

ossadas de um novo cemitério.

 

***

 

fernando de castro branco

 

duas igrejas, 1959

 

*


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Sexta-feira, 27 de Abril de 2012
vigílias do terceiro dia (para o Urbano)

 

Meu Deus, como compreendo a tua hora,

quando tu, para que ela no espaço se arredondasse,

a voz à tua frente colocaste outrora;

para ti o nada era como uma ferida que não sarasse

e tu refrescaste-a com o mundoi.

 

Rainer Maria Rilke

[tradução de Maria Teresa Dias Furtado]

 

 

qunatos dias teus

estiveram de pousio,

no que foi o terceiro

dia de deus?

 

quantas sementes

colocaste de infusão

dentro do silo

onde se guarda o tempo?

a quantas árvores

deste o nome da terra?

 

quantas vezes a cor foi,

na tua mãoi

a prece lavada

do silêncio do mundo?

 

o lume dos regressos,

esse estrondo de pétala

que põe claridade

na cinza do brilho,

esteve, sempre, dentro

dos teus olhos.

 

dizer da criação,

nunca te foi estranho,

como nenhum segredo branco

de uma ferida de luz.

 

que idade tinhas

quando a primeira árvore

te disse para subires?

 

***

 

emanuel jorge botelho

 

*


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Quinta-feira, 26 de Abril de 2012
pequena elegia da memória

 

Não nego que me sinto vencido

pela tua distância,

uma pedra e um pouco de gelo no sangue

uma violeta na primavera desta morte em flor.

A aflição não passa,

ainda que eu permaneça na defnsiva, dia após dia,

na retaguarda do teu afecto.

 

Tocar-te o músculo, tal como a um livro de biblioteca.

Mas agora, o que se mantém vivo e fresco

no teu estojo de ossos? Assim, dizem,

se retira aos nossos restos, ainda que dignos,

o nervo e a tentação do teu nome.

 

Não dizer o teu nome, nunca. Não pode dar-se

tesouro eterno assim a mãos que me recusaram.

Quanto mais morres, mais difícil é dizer-te,

 

mais fácil é dizer apenas... corpo.

 

***

 

david teles pereira

 

 

*


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Quarta-feira, 25 de Abril de 2012
amável é esta casa

 

Amável é esta casa

e há sabores

de uma terra intranquila.

Por aqui brincam os meus textos.

Adultos e sofridos.

Por aqui também andam

as tuas vírgulas de rapariga.

Amável é esta cama.

 

***

 

carlos mota de oliveira

 

lisboa, 1951

 

*


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Terça-feira, 24 de Abril de 2012
o gato à janela

 

o gato à janela

a gaivota no telhado

a cidade na cidade

a rapariga no sofá, lendo e

pressentindo sexo

até à décima quinta linha

quem sabe a penúltima vírgula

daquela página daquele livre

daquele dia daquela vida e

todos em coro celebrando

mais um dia dos mortos

 

***

 

bénédicte houart

 

braine-le-conte (bélgica), 1968

 

*

 


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Segunda-feira, 23 de Abril de 2012
a traição do celso

 

Jogava comigo na defesa reduto

dos inábeis dos impopulares (abaixo

de nós só o guarda-redes): o Celso e eu

vendo a glória avançada e esperando os embates

entre o medo de sempre e o desejo da acção

heróica redentora. Mas como no amor

cabia-nos menos defender antes ser

repositório de culpas pelos falhanços

colectivos e como um amante traiu-me

 

quando atrás de não sei que instinto (parecia

doido) subiu à baliza dos outros e

marcou o melhor golo da terceira classe.

 

***

 

antónio gregório

 

*


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Domingo, 22 de Abril de 2012
arte poética

 

Por cada verso feito quantas noites

desfeitas e mulheres transfiguradas,

madrugadas, cidades, auto-estradas,

montes de cartas, mortos e ausentes.

 

Por cada verso feito me despeço

dêste mundo, em pedaços repartido,

pois só consigo reunir-se quando fundo

império de poema nunca escrito.

 

***

 

antónio barahona

 

*


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Sábado, 21 de Abril de 2012
a minha gabardina

 

Tal como outros têm por secretária a noite

eu tenho a minha gabardina

de botões desusados e conversas redondas

que vai com os dias de chumbo

e traz filhos ilegítimos como pardais.

 

Eu e a minha gabardina

formamos uma só e vejam lá que

nos dias de chuva eu molho-me

ela fica enxuta.

 

A minha gabardina é o meu cão

fiel quando se rasga e mostra um segredo

mapa de meses outros em que nos escondíamos

das luzes excessivamennte denunciadoras

na rua patriarcal.

 

A minha gabardina é o meu gato

sobranceira aos epítetos de arcaica e

inactual.

 

«A culpa foi da gabardina»

acusou o amor quando abandonou a casa

doente da minha pele impermeável

às imagens negociadas do desejo.

 

Hei-de morrer com a minha gabardina

Exo-la como o fato de Joseph Beuys

 

***

 

ana paula inácio

 

*

 


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