que tivesse um blue.
Isto é
imitasse feliz a delicadeza, a sua,
assim como um tropeço
que mergulha surdamente
no reino expresso do prazer.
Espio sem um ai
as evoluções do teu confronto
à minha sombra
desde a escolha
debruçada no menu;
um peixe grelhado
um namorado
uma água sem gás
de decolagem:
leitor embevecido
talvez ensurdecido
"ao sucesso"
diria meu censor "à escuta"
diria meu amor
***
ana c.
(rio de janeiro, 1952)
**************************
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
***
murilo mendes
(minas gerais, 1901 - 1975)
***************************
Sobram insones rumores infernais
como que viesse uma tempestade avassalar
os desígnios d’outra moldura
***
lopito feijoó
(malange, 1963)
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De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa (me) dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
***
vinicius de moraes
(rio de janeiro, 1913 - 1930)
***************************
vamos morrer tão nus como nascemos.
vamos morrer num dia tão frio como o nosso cadáver,
de estômago vazio.
tão cedo caminhamos e dissemos as primeiras palavras,
que nem sabemos quais,
e, por um fenômeno biológico que depois nos foi completamente explicado,
aceitamos o corpo nas suas imperfeições,
e, da cabeça para baixo,
vimos as pernas, os pêlos, e os órgãos a crescer,
como se olhos fossem a porta de uma casa.
esquecer é estar vivo,
pecar é não estar vivo.
***
alice macedo campos
(penafiel, 1978)
***********************
Na dança dos dias
meus dedos bailaram...
Na dança dos dias
meus dedos contaram
contaram, bailando
cantigas sombrias...
Na dança dos dias
meus dedos cansaram...
Na dança dos meses
meus olhos choraram
Na dança dos meses
meus olhos secaram
secaram, chorando
por ti, quantas vezes!
Na dança dos meses
meus olhos cansaram...
Na dança do tempo,
quem não se cansou?!
Oh! dança dos dias
oh! dança dos meses
oh! dança do tempo
no tempo voando...
Dizei-me, dizei-me,
até quando? até quando?
***
alda lara
(benguela, 1930 - 1962)
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Aprendendo a mímica do lince podes
amar a morte. Uma aprendizagem exa
cta. Seguir o contorno pardo, pontiagudo,
das pequenas orelhas. Desenhar o sombre
ado dos olhos finos. Na morte há
um perfil especial. Fulgurações que des
lizam no ritmo dos passos. Um andar
alongado de colina para colina. Não
temas o fim como os outros seres
vivos que amam a própria morte.
A sua silhueta articula-se com um o
bjecto artificial. Recorda os ângu
los com maior espessura do que
numa superfície de mármore. Mostra
o acetinado do pêlo em chispas.
Um espelho para reproduzir as
mutações da vida. Aprender um desenho
mais profundo do que o do prateado
do vulto. O que nos fulmina é
belo como a última queda depois
de um salto livre entre as montanhas.
***
fiama hasse pais brandão
(lisboa, 1938)
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o grilo
não só de ouvido
eu cri-qu´ria sabê-lo
não só de gaiola cati
vá-lo mas dáctilo
grafá-lo copiar
seu abc de pobre
***
alexandre o'neill
(lisboa, 1924 - 1986)
**********************
Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.
***
adélia prado
(divinópolis (MG) - brasil, 1935)
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Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:
"Ponham-me a cruz no princípio...
E a luz da estrela no fim!"
***
mário quintana
(alegrete, 1904 - 1994)
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